Para Scholem , ‘o símbolo nada significa e nada comunica, mas torna transparente algo que está além de qualquer expressão’. Seu entendimento de transparência, como outras características da teoria do símbolo na História das Religiões, derivou da estética romântica alemã. Inspirado por estes românticos contemporâneos, Samuel Taylor Coleridge, para citar um exemplo, exaltou ‘a diafaneidade do símbolo, do especial no individual e, acima de tudo, do eterno através e dentro do temporal’. Jonathan Z. Smith observou apropriadamente a popularidade desta perspectiva sobre o simbolismo na História das Religiões. ‘O símbolo, embora não possuindo status ontológico próprio, tem sido quase que consistentemente considerado transparente para o reino do ser, de valor supremo.’
Em algumas das mais eloquentes passagens de sua obra, Scholem resumiu sua simbologia da transparência com sucinta penetração. Comentando sobre o místico do século treze Abraham Abulafia, observou o potencial de transformação de um verdadeiro entendimento do símbolo:
Tudo aquilo que ocupa a alma natural do homem deve ser feito para desaparecer ou deve ser transformado de maneira a tornar-se transparente para a realidade espiritual interior, cujos contornos então se tornarão perceptíveis através da forma costumeira das coisas naturais. Qualquer criação desde o mundo do anjo hierarquicamente mais elevado até os reinos mais inferiores da matéria refere-se simbolicamente à lei que opera dentro dela — a lei que governa o mundo das sefirotes. Em tudo, algo é um reflexo — pode-se assim dizer — dos reinos que ficam no centro do mesmo. Tudo é transparente, e neste estado de transparência tudo assume um caráter simbólico. Isto significa que cada coisa, além de seu próprio significado, tem algo mais, algo que faz parte daquilo que brilha dentro dela ou, como se de alguma maneira tortuosa, aquilo tivesse deixado sua marca por trás dela para sempre.
Em outro ponto ele elaborou esta perspectiva.
No símbolo místico uma realidade que em si mesma não tem para nós nenhuma forma, torna-se transparente e até visível através de outra realidade que reveste seu conteúdo de um significado visível e expressivo, como por exemplo a cruz para o cristianismo. A coisa que se torna um símbolo retém sua forma e seu conteúdo original. Não se transforma, por assim dizer, num invólucro vazio em que outro conteúdo é lançado; em si mesma, através de sua própria existência, torna transparente outra realidade que não consegue aparecer de outra maneira. O símbolo não tem nenhum significado e nada comunica, mas torna transparente algo que está além de qualquer expressão.O mundo da Cabala está cheio de tais símbolos, e não somente isto, o mundo inteiro é para o cabalista um corpus symbolicum. Fora da realidade da criação, sem que estes sejam negados ou aniquilados, o mistério inexprimível da Divindade torna-se visível. Em particular os atos religiosos comandados pela Torá , pelo Mitzvot são, para os cabalistas, símbolos em que uma esfera mais profunda e oculta da realidade se torna transparente.
Mesmo em suas reflexões mais pessoais e não-históricas sobre a Cabala, Scholem voltou à metáfora da transparência simbólica. ‘Entretanto, na Cabala o muro empedrado da lei gradualmente se torna transparente; um vislumbre da realidade circundada e circunscrita por ela consegue irromper.’ David Biale adequadamente interpreta esta passagem: ‘Os cabalistas transmutaram a lei em transparência tornando-a simbólica’.
Estas passagens deixam muito claro que a transparência mística do símbolo foi uma pedra fundamental do entendimento simbólico de Gershom Scholem a respeito da religião. Isto também não foi menos importante na obra de Henry Corbin .
Símbolo é a única expressão possível daquilo que é simbolizado, ou seja, da coisa significada como aquilo que simboliza. Nunca se pode decifrar completamente. A percepção simbólica efetua uma transmutação dos dados imediatos (dados sensíveis e literais) e os torna transparentes. Na ausência da transparência conseguida desta maneira, é impossível passar de um nível para outro.
Muitas de suas obras proporcionam extensas discussões da transparência simbólica. Corbin elevou isto, como todas as coisas, a um assunto de princípio celestial.
Contudo, não é possível nenhum erro . Estamos diante do mesmo imperativo que é colocado na hermenêutica esotérica do xiismo em geral: a simultaneidade do senso espiritual e do senso literal, do exotérico (zahir ) e do esotérico (batin). A situação é, na verdade: ou esta simultaneidade não é percebida pelo profano, caso em que o senso natural forma uma barreira protetora contra qualquer violação do santuário; ou a mesma é conhecida do adepto espiritual, mas neste conhecimento ocorre uma transmutação do senso natural, essa cobertura tornando-se transparente, diáfana.
Seguindo uma técnica também praticada por Eliade , estas investigações sobre o símbolo tendem a se sobrepor e se interpenetrar, em uma repetição recorrente, intencionalmente rítmica. O tratamento mais sustentado por Corbin, talvez, seja encontrado em Imaginação Criativa no Sufismo, de Ibn Arabi .
A imaginação criativa pode tornar-se cada vez mais transparente, pois seu único propósito é permitir que o místico alcance o conhecimento de ser como é, ou seja, o conhecimento que libera, porque é a gnose da salvação. Isto ocorre quando o gnóstico compreende que as formas sucessivas, seus movimentos e ações, parecem estar separadas do Um só quando estão encobertas por um véu sem transparência. Uma vez alcançada a transparência, ele sabe o que elas são e por que são.
Eliade também foi favorável à metáfora da transparência simbólica.
Acima de tudo, existe o mundo, está ali e tem uma estrutura ; não é um caos mas um cosmos, que se apresenta como criação, uma obra dos deuses. Esta obra divina sempre preserva sua qualidade de transparência, isto é, revela espontaneamente os inúmeros aspectos do sagrado .
Eliade viu esta transparência-pela-transparência acessível em tudo. ‘Cada fragmento do cosmos é transparente; seu próprio modo de existência mostra uma estrutura particular do ser e do sagrado .’
A transparência tornou-se a cor da própria Eranos. O popularizador de Eranos, Joseph Campbell, definiu o mito como ‘uma metáfora transparente para a transcendência’. Corbin, em seu tributo a Eranos intitulado ‘Do Irã a Eranos’, lembrou ‘instantes privilegiados em que tudo se elucida em uma transparência simultânea de susto e de alegria ’. Ou, ainda mais diretamente, Carl Jung declarou que a ‘diferença entre mim e a maioria das pessoas é que, para mim, as paredes divisórias são transparentes’. Desta maneira, a adoção por Corbin da Imaginação Criativa de Jung se tornou também uma ênfase da transparência,
A imaginação ativa portanto induz à vontade, funciona diretamente como uma faculdade e um órgão tão real quanto os órgãos dos sentidos, se não mais real do que os mesmos. O órgão não é uma faculdade sensorial, mas uma imagem arquetípica, e a propriedade desta imagem será precisamente a de efetuar a transmutação dos dados sensoriais para restaurá-los como símbolos a serem decifrados. Ela muda o dado físico impresso nos sentidos em um espelho cristalino, uma transparência espiritual.