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LE PRINCIPE DE L’EGO DANS LA PENSÉE INDIENNE CLASSIQUE (PEPIC)

Hulin (PEPIC:56-59) – a memória e o sujeito

Le Bouddhisme et la négation de l’ātman

sábado 2 de maio de 2020, por Cardoso de Castro

      

Excerto   traduzido das páginas 56-59

      

nossa tradução

[...] Seja, por exemplo, a memória. Ela parece exigir um sujeito   que se lembre, que identifique e distinga ao mesmo tempo a experiência passada (a lembrança) e sua revivência atual (a rememoração). O budismo  , que não admite nenhuma conservação do pensamento   de um instante   ao outro, admite que toda experiência deposita na série mental uma impregnação – vāsanā – de intensidade proporcional à sua própria vivacidade. O que é preservado dessa maneira não é uma "coisa" – vastu – mas uma simples disposição   – saṃskāra – ou propensão da série a facilitar o retorno desta experiência. O retorno efetivo se produzirá se esta propensão vier a ser "ajudada" por uma percepção de conteúdo similar ou comportando um signo   associado à experiência primitiva, etc. [1]. A hipótese das "disposições" proporciona aos momentos de pensamento um tipo de unidade   pragmática que permite dispo-los em série, evitando assim fazer apelo à unidade substancial de um sujeito permanente.

Um problema clássico é aquele do absurdo aparente de toda "retribuição dos atos", quando não há identidade   entre o agente   e aquele que colhe os frutos do ato. Os budistas, francamente, não veem uma diferença   fundamental entre a passagem a uma nova existência e esta "morte" perpétua pela qual, nesta mesma vida, os dharma  , corporais ou mentais, se renovam sem impedimento  . O brahmanismo enfatizará a estrutura   da retribuição: o nível de satisfação a alcançar da nova existência, o tipo de comportamento   que se adotará, serão globalmente determinados pela situação de partida, condição animal  , humana ou divina, nascimento em tal mundo, em tal país, em tal casta  , etc. Mas o budismo não dramatiza nem valoriza a ruptura representada por um novo nascimento. A série aparentemente inaugurada pelo recém-nascido é o prolongamento direto da série aparentemente encerrada com o morto [2]. O futuro da série depende apenas dela mesma, quer dizer das disposições adquiridas que a "perfumam", e o novo quadro de retribuição se apresenta como uma espécie de manifestação exterior das tendências ativas no interior da série [3]. Advém ao indivíduo que lhe assemelha. Essencialmente, a retribuição budista não toma a forma de recompensas ou punições atreladas de maneira "sintética" aos atos anteriores. Pelo contrário, representa a concepção mais radicalmente imanentista de karman   que surgiu na Índia, aquela que gere, entre karlr e bhoktr, o máximo de continuidade   interior [4]. Para aquele que tomou o hábito de ver no homem   do instante presente   o simples "herdeiro legítimo" do homem do instante anterior  , o mecanismo de retribuição é sem mistério [5]. É a evidência ressentida desta continuidade que permite então se satisfazer de simples metáforas: a criança e o adulto, o leite e a coalhada, o incêndio que se propaga na selva, etc. Rei Milinda, trad. cit., pp. 71-75; cf. Abhidharmakośa, t. 5, p. 271. Outras metáforas (produção de arroz, nó na corda, a charrete) em Mahāprajnāpāramitāśāstra, trad. cit., p. 748 sq.]].

Permanece a grande dificuldade  , ilustrada pela impossibilidade em que cada um se vê estendendo aos outros sua própria consciência de si [6]. Os vāsanā e o saṃskāra podem, de fato, bem dar conta da orientação específica, o comportamento particular através dos quais uma série já constituída confirma concretamente sua originalidade em relação aos outros. Eles não explicam como, desde toda a eternidade  , os dharma se encontraram repartidos em séries homogêneas fechadas sobre elas mesmas e radicalmente cortadas umas das outras. O que parece fazer falta aqui, é uma teoria   da reflexividade, do movimento   pelo qual a série se totaliza ela mesma, a ponto de se deixar simplesmente apreender do exterior como unidade. E tem que se reconhecer   que os textos manifestam aqui uma certa tendência a esquivar a dificuldade. A resposta   do Mahāprajnāpāramitāśāstra, principalmente, é puramente sofística: "A dificuldade nos é comum, pois se o homem concebeu a ideia de Atman   em relação à pessoa de outro, teria ainda de se perguntar novamente porque ele não concebe a ideia de atman em relação à sua própria pessoa” [7]. A fraqueza   dessa resposta se deve à natureza puramente artificial da hipótese simétrica visualizada: ninguém nunca é tentado a ressentir como ātman a pessoa de outro. O Abhidharmakośa, por outro lado, falha em evitar a tautologia: "Porque não há relação entre a série dos elementos   dos outros e esta noção. Quando corpo ou pensamento (rūpa  , citta-caitta) estão em relação com a noção de ’eu’ – relação de causa   e efeito – esta noção nasce no lugar deste corpo, deste pensamento; não no lugar de outros elementos. O hábito de considerar ’minha série’ como ’eu’ existe em ’minha série’ desde a eternidade" [8]. Responder que "minha série" é constituída como tal desde a eternidade, precisamente em tendo – em vez de em "tomando" – o hábito de se apreender como "eu", vem a supor resolvido o problema da delimitação desta série em relação às outras: cada série fazendo a mesma coisa por sua própria conta, alcança-se por esta via apenas um "eu" universal   ou formal. De fato, a única resposta coerente, do ponto de vista budista, parece ser a da "escola do meio". Ela consiste em considerar o problema por inteiro como um destes dilemas característicos do domínio da experiência mundana e insolúveis a seu nível. O conflito entre estas duas obviedades indiscutíveis, a consciência de si e a insubstancialidade dos elementos, convida-nos a deixar o plano memso em que surgem tais oposições. “O que é ātman para ti é não-ātman para mim; não se trata então necessariamente de um ātman. É em torno das coisas impermanentes – veja – que a imaginação   desdobra suas hipóteses" [9]

Original

[...] Soit, par exemple, la mémoire. Elle paraît exiger un sujet qui se souvienne, qui identifie et distingue à la fois l’expérience passée (le souvenir) et sa revivescence présente (la remémoration). Le bouddhisme, qui n’admet aucune conservation de la pensée d’un instant à l’autre, admet que toute expérience dépose dans la série mentale une imprégnation — vāsanā — d’intensité proportionnelle à sa vivacité propre. Ce qui se conserve ainsi n’est pas une « chose » — vastu — mais une simple disposition — saṃskāra — ou propension de la série à faciliter le retour de cette [57] expérience. Le retour effectif se produira si cette propension vient à être « aidée » par une perception de contenu similaire ou comportant un signe associé à l’expérience primitive, etc. [10]. L’hypothèse des « dispositions » procure aux instants de pensée une sorte d’unité pragmatique qui permet de les disposer en série, évitant ainsi de faire appel à l’unité substantielle d’un sujet permanent.

Un problème classique est celui de l’absurdité apparente de toute « rétribution des actes », lorsqu’il n’y a pas identité entre l’agent et celui qui récolte les fruits de l’acte. Les bouddhistes, à vrai dire, ne voient pas de différence fondamentale entre le passage à une nouvelle existence et cette « mort » perpétuelle par laquelle, en cette vie même, les dharma, corporels ou mentaux, se renouvellent sans trêve. Le brahmanisme mettra l’accent sur le cadre de rétribution : le niveau de satisfaction à attendre de la nouvelle existence, le type de comportement qu’on l’adoptera, seront globalement déterminés par la situation de départ, condition animale, humaine ou divine, naissance dans tel monde, dans tel pays, dans telle caste, etc. Mais le bouddhisme ne dramatise ni ne valorise la coupure représentée par une nouvelle naissance. La série apparemment inaugurée par le nouveau-né est le prolongement direct de la série apparemment close avec le mort [11]. L’avenir de la série ne dépend que d’elle-même, c’est-à-dire des dispositions acquises qui la « parfument », et le nouveau cadre de rétribution se présente comme une sorte de manifestation extérieure des tendances actives à l’intérieur de la série [12]. Advient à l’individu ce qui lui ressemble. Four l’essentiel, la rétribution bouddhique ne prend pas la forme de récompenses ou de châtiments rattachés de manière seulement « synthétique » aux actes antérieurs. Elle représente, au contraire, la conception la plus radicalement immanentiste du karman qui se soit fait jour dans l’Inde, celle qui ménage, entre le karlr et le bhoktr, le maximum de continuité intérieure [13]. Pour celui qui a pris l’habitude de voir dans l’homme [58] de l’instant présent le simple « héritier légitime » de l’homme de l’instant précédent, le mécanisme de la rétribution est sans mystère [14]. C’est l’évidence ressentie de cette continuité qui permet alors de se satisfaire de simples métaphores : l’enfant et l’adulte, le lait et le caillé, l’incendie qui se propage dans la jungle, etc. [15].

Reste la difficulté majeure, celle illustrée par l’impossibilité où se trouve chacun d’étendre à autrui sa propre conscience de soi [16]. Les vāsanā et saṃskāra peuvent bien, en effet, rendre compte de l’orientation spécifique, du comportement particulier à travers lesquels telle série déjà constituée confirme concrètement son originalité par rapport aux autres. Ils n’expliquent pas comment, de toute éternité, les dharma se sont trouvés répartis en séries homogènes fermées sur elles-mêmes et radicalement coupées les unes des autres. Ce qui paraît faire défaut ici, c’est une théorie de la réflexivité, du mouvement par lequel la série se totalise elle-même, au lieu de se laisser simplement appréhender de l’extérieur comme unité. Et force est bien de reconnaître que les textes manifestent ici une certaine tendance à esquiver la difficulté. La réponse du Mahāprajnāpāramitāśāstra, notamment, est purement sophistique : « La difficulté nous est commune, car si l’homme concevait l’idée d’ātman par rapport à la personne d’autrui, il faudrait encore demander pourquoi il ne conçoit pas l’idée d’ātman par rapport à sa propre personne » [17]. La faiblesse de cette réponse tient au caractère purement artificiel de l’hypothèse symétrique envisagée : personne n’est jamais tenté de ressentir comme ātman la personne d’autrui. L’Abhidharmakośa, de son côté, ne parvient pas à éviter la tautologie : « Parce qu’il n’y a pas de relation entre la série des éléments d’autrui et cette notion. Lorsque corps ou pensée (rūpa, citta-caitta) sont en relation avec la notion de «je » — relation de cause à effet — cette notion naît à l’endroit de ce corps, de cette pensée ; non pas à l’endroit d’autres éléments. L’habitude de considérer « ma série » comme « je » existe [59] dans « ma série » depuis l’éternité » [18]. Répondre que « ma série » s’est constituée comme telle depuis l’éternité, précisément en ayant — plutôt qu’en «prenant» — l’habitude de s’appréhender comme « je », revient à supposer résolu le problème de la délimitation de cette série par rapport aux autres : chaque série faisant la même chose pour son propre compte, on n’atteint par cette voie qu’un «je» universel ou formel. En fait, la seule réponse cohérente, d’un point de vue bouddhiste, semble bien être celle de l’« école du milieu ». Elle consiste à considérer le problème tout entier comme un de ces dilemmes caractéristiques du domaine de l’expérience mondaine et insolubles à son niveau. Le conflit de ces deux évidences irrécusables, la conscience de soi et l’insubstantialité des éléments, invite à quitter le plan même où surgissent de telles oppositions. « Ce qui est ātman pour toi est non-ātman pour moi ; il ne s’agit donc pas nécessairement d’un ātman. C’est autour des choses impermanentes — n’est-ce pas — que l’imagination déploie ses hypothèses » [19].


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[1Detalhes em Abhidharmakośa, t. 5, pp. 274-278. Esta solução permite distinguir lembrança e alucinação? O vivido não deve apenas revir, mas também ser reconhecido enquanto passado. É a constituição mesma das dimensões do tempo que dificulta na hipótese da instantaneidade universal.

[2Daí a importância dada aos últimos pensamentos dos moribundos. O “ser de transição” admitido por certas escolas também é apenas uma seção da série, porque tem a mesma estrutura do que vem antes e depois dele (cf. Abhidharmakośa, vol. 2, p. 31 ss.)

[3É por isso que os Jātaka, relatos das vidas anteriores do Buda, o mostram progredindo em direção à perfeição através dos mais diversos nascimentos animais e humanos, fazendo o melhor uso das possibilidades oferecidas por cada um.

[4O bramanismo nem sempre soube evitar tão cuidadosamente qualquer extrinsecismo da retribuição (recurso a um Senhor regulador do karman, julgamento das almas etc.), sem dúvida, porque o dharma aí conserva um aspecto de opacidade e de transcendência.

[5Embora não interdite de pensar, en passant, que tal hábito demarca todo um conjunto de práticas costumeiras em que o indivíduo é sempre definido em relação a outros: como pai, filho, marido, herdeiro, credor, credor, devedor, superior, inferior, etc.

[6Cf. supra, p. 51. O mesmo tipo de objeção também é encontrado em Abhidharmukośa (t. 5, p. 271): "Se a noção de "eu" tem por objeto a cor-figura (rūpa) do corpo e os outros elementos, por que esta noção não nasce ao lugar da cor-figura de outro?".

[7Trad. cit., p. 737.

[8T. 5, p. 291; cf. p. 292: "Qual é a causa da noção de ’eu’? – É um pensamento sujo, perfumado desde a eternidade por esta mesma noção de mim, e tendo como objeto a série de pensamentos em que ocorre".

[9Catuhśataka, st. 228

[10Détails dans Abhidharmakośa, t. 5, pp. 274-278. Cette solution permet-elle de distinguer souvenir et hallucination? Le vécu ne doit pas simplement revenir mais aussi être reconnu en tant que passé. C’est la constitution même des dimensions du temps qui fait difïlculté dans l’hypothèse de l’instantanéité universelle.

[11D’où l’importance accordée aux dernières pensées du mourant. L’« être de transition » admis par certaines écoles n’est, lui aussi, qu’un tronçon de la série, car il a même structure que ce qui vient avant lui et après lui (cf. Abhidharmakośa, t. 2, p. 31 sqq.).

[12C’est pourquoi les Jātaka, récits des vies antérieures du Bouddha, le montrent progressant vers la perfection à travers les naissances animales et humaines les plus diverses en utilisant au mieux les possibilités offertes par chacune.

[13Le brahmanisme n’a pas toujours su éviter aussi soigneusement tout extrinsécisme de la rétribution (recours à un Seigneur régulateur du karman, jugement des âmes, etc.), sans doute parce que le dharma y conserve un aspect d’opacité et de transcendance.

[14Bien n’interdit de penser, au demeurant, qu’une telle habitude démarque tout un ensemble de pratiques coutumières où l’individu est toujours défini par rapport à d’autres : comme père, fils, mari, héritier, créancier, débiteur, supérieur, inférieur, etc.

[15Questions of King Milinda, trad. cit., pp. 71-75 ; cf. Abhidharmakośa, t. 5, p. 271. Autres métaphores (la production du riz, le nœud sur la corde, le char) dans Mahāprajnāpāramitāśāstra, trad. cit., p. 748 sq.

[16Cf. supra, p. 51. Le même type d’objection se rencontre aussi dans l’Abhidharmukośa (t. 5, p. 271) : « Si la notion de «je » a pour objet la couleur-figure (rūpa) du corps et les autres éléments, pourquoi cette notion ne naît-elle pas à l’endroit de la couleur-figure d’autrui? ».

[17Trad. cit., p. 737.

[18T. 5, p. 291 ; cf. p. 292 : « Quelle est la cause de la notion de « je »? — C’est une pensée souillée, parfumée depuis l’éternité par cette même notion de moi, et ayant pour objet la série de pensées où elle se produit ».

[19Catuhśataka, st. 228