Um símbolo relevante nas representações orientais da Natividade é a “caverna ”, onde teria Natividade - nascido Jesus , segundo o relato do Protoevangelium - Protoevangelho de Tiago , e sobre o qual se baseiam em geral os Ícones da Natividade. Richard Temple , em seu notável estudo sobre os ícones, considera este símbolo da caverna como originário de tradições anteriores ao cristianismo, em particular a própria tradição helênica. Citanto um estudo de Peter Gorman, sobre Pitágoras, apresenta o pouco que se tem notícia de seu mestre Ferécides.
Outra faceta interessante da filosofia de Ferécides era sua ênfase em cavernas e buracos em Ctônia como receptáculos da mão divina na criação. Para os pitagóricos e Platão o símbolo da caverna se tornou um potente veículo místico através do qual as verdades enigmáticas poderiam ser apresentadas. Aparte dos três componentes da criação já mencionados: Zan, Khronos e Ctônia, Ferécides introduziu os elementos de ar, fogo e água que agiam sobre o “pentekosmos” ou “pentemychos”, as cinco cavernas primárias que completavam a criação. Junto com o simbolismo patente do número a imagem da caverna toma a frente. Para os antigos gregos a caverna era sagrada para muitos deuses... Ritos místicos eram conduzidos nelas, e eram vistas como pontos focais de energias cósmicas e para a recepção de psiques em metempsicose retornando e deixando a terra .
Com estas considerações em mente , Richard Temple propõe uma abordagem do sentido profundo do Ícone da Natividade: ideias “psico-espirituais” representadas pelos pastores; ideias “cósmicas” representadas pela caverna e o nascimento de Cristo; a ideia de um “princípio unificador, divino” representado pela luz que, como mostra o ícone , flui para caverna do reino superior e ilumina o mundo; a ideia de “ordem hierárquica” representada pelo reino celestial, o céu, a montanha , a terra e a caverna, cada um posto acima do outro em uma escada ascendente, contínua ligando o homem a Deus . Escolasticismo recente na Rússia, demonstra como os ícones medievais eram baseados no assunto que Pitágoras era mais famoso: “proporção numérica harmônica”.
Temple ressalta a aparentemente bucólica imagem dos pastores e seus rebanhos, conforme retratado na descrição de Lucas , enquanto descrição de nossa vida psicológica. Uma importante alegoria está contida nas palavras de Lucas. Para compreendê-la devemos entender que nosso mundo interior, ou seja, o estado de nossa vida psicológica, não é tão equilibrada quanto deveria ser; nossa vida interior é frequentemente desordenada e caótica; pensamentos aleatórios, sonhos e associações, frequentemente coloridos de emoções, a percorrem, criando falsos temores e inibindo nossa interação com a vida e distorcendo nossas relações com outros seres humanos.
Este estado é o pano de fundo onde se dá o trabalho espiritual. O exercício de quietude é uma das primeiras tarefas na disciplina espiritual, e aquele que nos confronta justamente com esta dura realidade de caos interior. Na busca por esta ordem interior é que também encontramos, na analogia do pastor , amplamente utilizada desde a antiguidade , algo mais do que seu simples sentido pastoral idílico de tanta sentimentalidade poética. De fato, a imagem do pastor e suas ovelhas nos confronta com um trabalho: o esforço sutil de reunir os pensamentos, confiná-los a uma área onde não se percam ou corram perigo, e vigiando-os permanentemente, damos os primeiros passos para manter um estado de harmonia interior. O pastor no imaginário da literatura sagrada, é o guardião interior da mente cuja tarefa é vigiar os pensamentos e manter um estado interior ordenado. Assim se verá na clássica imagem de Orfeu , o pastor arquetípico, e uma figura inclusive associada a própria imagem do Cristo. Muitos heróis da antiguidade e inclusive grandes figuras religiosas como Davi, são descritos como pastores, no início de suas vidas.
Em Lucas, alguns detalhes especificam ainda lugar e tempo, nos dando as condições nas quais este trabalho interior está “tendo lugar”: “nos campos” e “à noite”. O evangelista aqui se refere ao fato de que o buscador espiritual começa sua busca nas circunstâncias da vida externa ordinária; “nos campos” significa literalmente “de fora” que compreendemos com “não de dentro”, ou onde não há acesso à vida interior. “À noite”, simplesmente “escuridão”, e na linguagem especial da alegoria compreendemos aqui todas as implicações psicológicas e espirituais de noite e escuridão.
“Ora, havia naquela mesma comarca pastores que estavam no campo , e guardavam, durante as vigílias da noite, o seu rebanho” pode ser assim posto de outra maneira: “Havia um grupo de buscadores espirituais trabalhando juntos nas condições difíceis de vida exterior e não capazes de ver onde estavam indo”.
O ilustrador do século XI, do Ícone da Natividade, estava suficientemente interessado nesta cena para destacá-la como um dos “eventos secundários” no ícone, mas seu sentido profundo é geralmente ignorado.
