A existência do corpo etéreo é atestada também por outras tradições do Oriente e do Ocidente, ao mesmo tempo que a realidade do intermundo paradisíaco correspondendo a este corpo primordial e perfeito. Encontra-se aí em presença de um dado tradicional unânime que, à maneira de seu conteúdo, é de natureza primordial: ela trata do homem terrestre enquanto precede sua queda e, portanto, todo particularismo racial, étnico ou religioso — enquanto é simplesmente homem verdadeiro e perfeito, o homem original e espiritual, o homem paradisíaco que é também o “Homem Novo”, quer dizer o homem que, depois da queda, se renovou espiritualmente, até ser “nascido de novo” de Deus . O homem que “nasce de Deus” “viu Deus”: recebeu “no alto” a Revelação divina e universal que, em seguida, é veiculada neste baixo mundo pelo “corpo espiritual ”, etéreo e imperecível, por esta “carne alada da alma ” que permite a esta se elevar sempre de novo para o céu e, abandonando no termo de sua existência terrestre tudo o que é criado, se reabsorver em sua Essência suprema e divina.
A restauração interior do estado primordial, que precede esta realização da Unidade suprema, se opera portanto, em princípio, a partir do estado de Queda, senão depois da morte do corpo caído. Trata-se para o homem de se unir ao fundo dele mesmo, como através de seu próximo e de todas as coisas, à Imanência ou Presença de Deus, a fim de reencontrar por Ela sua Identidade eterna com a Transcendência. Do ponto de vista escatológico, a restauração do estado paradisíaco e a União suprema, acabamos de dizer, são correlativas da morte terrestre do homem ou do fim deste mundo e da ressurreição dos corpos, esta sendo seguida, para os “eleitos”, da entrada no novo paraíso terrestre ou, em termos judeo-cristãos, na “Nova Jerusalém”. Ora, quer se trate da realização atual e puramente interior do estado primordial e espiritual ou de sua recuperação póstuma — que será portanto dada quando da ressurreição dos mortos e definitiva para os “eleitos” — o corpo futuro e glorioso será o mesmo corpo etéreo que já se oculta em nós, mas que será passado do estado virtual a sua plena atualização. Sua substância incorruptível terá reabsorvido completamente os quatro elementos grosseiros dos quais é composto nosso envelope perecível, e é assim que se verificará a palavra de Paulo Apóstolo : “Semeado na corrupção, o corpo ressuscita incorruptível”.
Com efeito, a tradição cristã prolonga a doutrina judaica do corpo etéreo, idêntico ao “Corpo de Ressurreição” — entendido, seja no sentido de sua realização imediata, seja no sentido escatológico —. Ela compartilha esta doutrina, dissemos, com outras tradições onde o corpo etéreo é em princípio considerado como o “corpo de aparição” dos espíritos, à maneira daquele dos Anjos do monoteísmo semita; da mesma maneira, estas tradições o consideram como o Corpo Luminoso de homens viventes e cujo esplendor se exterioriza por vezes — como assim foi para Moisés e Jesus — a ponto de se tornar visível. É neste corpo que Enoque , Elias e Jesus subiram vivos ao céu, e que tem a mesma forma que o Corpo de Carne, mas difere deste por sua perfeição primordial e sua substância incorruptível; no cristianismo, os doutores da Igreja , tais como Orígenes , Tertuliano , Lactancio e Agostinho de Hipona , fazem alusão a este corpo interior. Da mesma forma, no esoterismo muçulmano, a doutrina desse corpo é bem conhecida, e isso de uma forma que corrobora amplamente os ensinamentos da Cabala que acabamos de expor. Também se une à doutrina neoplatônica dos veículos da alma — entre os quais o "corpo etéreo" —, doutrina ocidental que parece remontar, através de Platão e Pitágoras, aos ensinamentos iniciáticos da tradição do Egito . Acrescentemos que nos encontramos aqui na presença de um aspecto doutrinário ensinado em primeiro lugar por seres de elite que, em todos os lugares deste mundo, o realizaram "na própria carne" e que, através de séculos e milênios, são os testemunhos viventes do retorno do homem a Deus.
Mas não esqueçamos que este retorno não se define apenas pela restauração do corpo primordial; este último é condicionado pela purificação, regeneração espiritual e existência deformada da alma. Em última análise, trata-se da reintegração de todas as possibilidades individuais do ser humano em seu espírito universal que, por repercussão ascendente, é absorvido em sua Essência transcendente e absoluta. Recordemos que a perda do estado primordial e a redução do corpo glorioso a uma pura virtualidade envolta no corpo decaído — isto é, composto de elementos sensíveis, "caídos" de sua quintessência incorruptível e produzindo sua matéria perecível — são devidos à queda dos elementos psíquicos fora de sua própria Quintessência divina, durante o pecado original. Além disso, para usar a terminologia cabalística, o estado perfeito do homem terreno individual ou o "primeiro homem" (Adam ha-rishon) — que se situa entre o estado de queda e os estados supra-individuais ou universais do ’Homem Imanente e Celestial (Metatron ) manifestando o “Homem Principial” (Adam qadmon) ou “Homem Transcendente (Adam ilaah), – ele não pode ser restaurado se o ser humano não devolver aos elementos de sua alma seu lugar original, sua ordem inicial, sua unidade no Uno. Essa reorganização e essa unificação dos elementos psíquicos representam, portanto, não apenas a conditio sine qua non da restauração do estado primordial — inclusive o do corpo interior e glorioso —, mas também a preparação indispensável para a superação da alma, à realização do Homem universal e divino.