Era um domingo da oitava de Pentecostes e trouxeram-me Nosso Senhor em particular à minha cabeceira, pois eu me sentia em espírito concentrada de tal forma em mim mesma que não poderia manter-me no exterior como convém fazer entre os homens. Essa exigência íntima era a de estar unida a Deus fecundamente. Mas eu ainda era muito jovem e muito criança para isso: não sofrera o suficiente para essa união, nem vivera a plenitude do mérito que ela requer, como aprendi nesta própria visão e o soube depois. Desde que recebi Nosso Senhor, Ele me recebeu n’Ele, arrebatando meus sentidos para que esquecesse toda coisa estranha, gozando d’Ele na solidão . Fui conduzida a um prado, a uma campina chamada Amplidão das Virtudes Perfeitas. Havia muitas árvores, em direção às quais fui conduzida, e seus nomes me foram ditos e o sentido dos mesmos me foi revelado. [1] A primeira árvore possuía uma raiz podre e frágil; seu tronco, porém, era muito firme : sobre este havia uma flor muito bela e graciosa, mas tão delicada que, quando da tempestade, queda imediatamente e murcha. Era conduzida por um anjo do coro dos tronos, que possui em particular a discrição. Nesse mesmo dia, de fato eu me elevara até alcançá-lo, e o recebera para que fosse meu guardião dali em diante e companheiro de todos os caminhos. E esse anjo me disse: "Natureza humana, recebe a inteligência desta árvore e sabe o que é". Compreendi, pois ele me revelou que a árvore representava o conhecimento de nós mesmos. A raiz podre representava a nossa natureza frágil; o tronco firme, nossa alma eterna; e a graciosa flor, por sua vez, a bela forma humana que se desseca num breve instante . [2]
Então ele me conduziu a uma outra árvore, mais baixa, cujas folhas magníficas e variadas deleitavam o olhar. Porém, acima daquela bela folhagem pendiam outras folhas ressecadas que cobriam inteiramente as primeiras. E o anjo me disse: "Alma escolhida, alma de desejos, atraída de tão baixo a tal sublimidade, e de tão sombrias trilhas a tão claros caminhos, da extrema pobreza à extrema riqueza , compreende o que vês". Então ele me revelou e eu compreendi realmente que aquela árvore representava a humildade cuja sábia crença, nascida da consciência de nossa baixeza diante da divina sublimidade, oculta o belo adereço de todas as virtudes, pois ela sabe e confessa que o gozo do Bem-Amado ainda lhe faz falta, e não sabe como remediá-lo. Essa é a definição da pura humildade.
O anjo me conduziu em seguida a uma grande árvore, vigorosa, de folhas largas, e então falou: "Ó poderosa e forte, tu que triunfaste em Deus poderoso e forte desde o princípio de seu ser sem começo, [3] tu que com Ele encherás de força a eternidade sem fim, lê e compreende". Então eu li e compreendi. Sobre cada uma das folhas estava escrito as seguintes palavras: "Eu sou a força de vontade perfeita, nada pode me escapar ".
E próxima a ela havia uma grande árvore de múltiplos ramos, e todos esses ramos esticados atravessavam os ramos da outra. E o anjo me disse ainda: "Ó prudente, instrui-te pela razão, sim, pela razão do Deus majestoso , lê e compreende a sábia e prudente lição que ensinam esses ramos sobrepostos à folhagem vizinha". E sobre cada folha estavam escritas as seguintes palavras: "Represento a discrição, sem mim nada se pode realizar".
E o anjo me fez passar a uma bela árvore que possuía três tipos de ramos, e outro tanto de ramos em cada um desses: três ramos superiores, três ramos intermediários e três inferiores. E o anjo me disse: "Ó melancólica pelo insucesso no incerto futuro, ó tu que perscrutas, inquieta, os erros dos homens que foram feitos para amar a Deus e que se afastam para longe d’Ele, terminando em outros lugares sua vã corrida; ó tu que morres da morte que morreu o Bem-Amado, compreende esses três ramos inferiores, pois foi por meio deles que tu chegaste aos superiores". E eu percebi que todas as folhas daquela árvore eram intensamente verdes, pontudas, alongadas e que sobre cada uma delas havia um coração gravado. Sobre os três ramos inferiores, esses corações eram vermelhos; brancos sobre as folhas dos ramos do meio; e dourados sobre os ramos superiores.
E o anjo me disse ainda: "Pura coluna na Igreja dos santos, tu que tens preservado teu corpo de tudo o que não convém ao santo templo de Deus; ó inocente e consoladora, por quem a pura vontade de nosso Deus majestoso é aliviada de todo pecado e o ser á no futuro; ó tu que conheces pela certeza do saber a nobre natureza de nosso Deus de doçura, daí a escolha que tu fizeste tão cedo da pureza imaculada acima de tudo o que foi e de tudo o que é, sem nela falhar em nenhuma circunstância um só instante, compreende agora os três ramos intermediários". E eu compreendi.