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Iconologie et Tradition [IT]

Richer (IT) – Os Quatro Viventes (Tetramorfos)

Símbolos dos Evangelistas e personagens com cabeças de animais

terça-feira 15 de novembro de 2022, por Cardoso de Castro

      

Poderia se consagrar um volume   inteiro à iconografia dos Quatro Viventes se apenas examinássemos os Evangeliários e Sacramentários dos século VIII e IX onde os Evangelistas são representados sob forma de personagens com cabeças de animais  .

      

Estranha particularidade da iconografia cristã é a representação dos quatro evangelistas sob a forma de quatro “viventes”, quer dizer, de fato um homem   e três animais   ou homens com cabeças de animais.

Essas imagens derivam da figuração egípcia dos deuses, preservada na representação gnóstica das “faces” dos decanos, quer dizer que, em sua própria origem, comporta uma significação astral e mesmo zodiacal. O conjunto   particular que constituem as figuras representando os quatro evangelistas ficou denominado de Tetramorfo.

Os quatro animais no tempo da Suméria descreviam os quatro pontos cardeais   (e talvez as quatro estações) como mostra o selo do sacerdote Dudu. Já Marquès-Rivière afirmava a este respeito que existia em Babilônia quatro tripos de gênios protetores:

  • Alap ou Kirub, touro de face   humana
  • Lamas ou Nirgal, leão com cabeça de homem
  • Ustur de forma humana
  • Nattig com cabeça de águia  

Portanto, junto à influência egípcia temos a sumero-babilônica, transmitida pelos judeus  .

Com a aparição dos quatro querubins portando o trono de Deus   na primeira visão de Ezequiel, encontra-se o ponto de partida e a explicação dos símbolos dos evangelistas.

Esta simbólica é retomada por São João no Apocalipse   (anos 70 de nossa era, anterior   à redação dos Evangelhos  ). Os primeiros textos que propõem repartição dos símbolos entre os evangelistas são do segundo século e os símbolos surgem na arte cristã a partir do século V.

Richer   considera importante agrupar os textos importantes da tradição cristã, que a seguir apresentamos:

Apocalipse 4,4-7

Havia também ao redor do trono vinte e quatro tronos; e sobre os tronos vi assentados vinte e quatro anciãos, vestidos de branco, que tinham nas suas cabeças coroas de ouro. E do trono saíam relâmpagos, e vozes, e trovões; e diante do trono ardiam sete   lâmpadas de fogo  , as quais são os sete espíritos de Deus; também havia diante do trono como que um mar de vidro, semelhante ao cristal; e ao redor do trono, um ao meio de cada lado, quatro seres viventes cheios de olhos por diante e por detrás; e o primeiro ser era semelhante a um leão; o segundo ser, semelhante a um touro; tinha o terceiro ser o rosto como de homem; e o quarto ser era semelhante a uma águia voando.

Irineu de Lyon

Com Irineu de Lião (morto em 202) discípulo de Policarpo (convertido por São João), aparece a primeira repartição dos símbolos entre os evangelistas; ela repousa no texto do Apocalipse e a consideração   do início de cada evangelho. A seguir excertos de seu tratado Contra as Heresias (III, XI, 8):

11,8. Por outro lado, os evangelhos não são, nem mais nem menos, do que estes quatro. Com efeito, são quatro as regiões do mundo em que vivemos, quatro são os ventos principais e visto que a Igreja   é espalhada por toda a terra   e como tem por fundamento   e coluna o Evangelho e o Espírito da vida, assim são quatro as colunas que espalham por toda parte a incorruptibilidade e dão vida aos homens. Por isso é evidente   que o Verbo, Artífice de todas as coisas, que está sentado acima dos querubins e mantém unidas todas as coisas, quando se manifestou aos homens, nos deu um Evangelho quadriforme, sustentado por um único Espírito. Por isso Davi, ao invocar a sua vinda, diz: “Tu que te assentas acima dos querubins, aparece”.101 Ora, os querubins têm quatro aspectos, e suas figuras são a imagem da atividade   do Filho   de Deus. Ele diz: “O primeiro animal é semelhante a leão”,102 caracterizando o poder, a supremacia e a realeza; “o segundo é semelhante a novilho”,103 manifestando a sua destinação ao sacrifício, ao sacerdócio; “o terceiro tem rosto semelhante a homem”,104 o que lembra claramente a sua vinda em forma humana; e “o quarto assemelha-se à águia que voa”,105 sinal do dom do Espírito que sopra sobre a Igreja. Os evangelhos, portanto, correspondem a estes animais, acima dos quais está sentado Jesus Cristo  . Um conta a geração preeminente, poderosa e gloriosa que tem do Pai, com estas palavras: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus; e: Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito”.106 É por isso que este Evangelho está cheio de pensamentos sublimes; pois es-te é o seu aspecto. O Evangelho segundo Lucas  , portador de caráter sacerdotal, começa com o sacerdote Zacarias que oferece a Deus o sacrifício do incenso, porque já estava pronto o vitelo gordo que devia ser imolado por causa   da volta do filho menor. Mateus  , por sua vez, narra a sua geração humana, dizendo: “Livro da origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão”.107 E em seguida: “A origem   de Jesus Cristo foi assim”.108 É portanto, o Evangelho da humanidade de Cristo, por isso Jesus é constantemente apresentado como homem humilde e manso. Marcos, por sua vez, inicia pelo Espírito profético que do alto investe o homem: “Princípio do Evangelho; conforme está escrito no profeta Isaías…,”109 dando uma imagem alada do Evangelho. Por isso exprime-se de maneira concisa e rápida: é o estilo profético. É assim que o próprio Verbo de Deus falava conforme a sua divindade e glória   aos patriarcas que viveram antes de Moisés; aos que viveram no tempo da Lei conferia função ministerial e sacerdotal; em seguida, quando se fez homem, para nós enviou o Espírito celeste a toda a terra para nos proteger com suas asas. Em suma, da forma como se apresenta a atividade   do Filho de Deus   assim é o aspecto dos animais, e igual ao aspecto dos animais é a característica do Evan-gelho: quadriformes os animais, quadriforme o Evangelho, quadriforme a atividade do Senhor. Por isso também foram concluídas quatro alianças com a humanidade: uma, nos tempos de Adão  , antes do dilúvio; a segunda, depois do dilúvio, nos tempos de Noé; a terceira, que é o dom da Lei, nos tempos de Moisés; e a quarta, finalmente, que, por meio do Evangelho, renova o homem e as recapitula todas em si, e eleva os homens, fazendo-os levantar voo   para o reino celeste.

Jerônimo

São Jerônimo trata igualmente este problema em uma passagem importante de seu Comentário de Ezequiel (I. 1,10): [http://livres-mystiques.com/partieTEXTES/jerome/052.htm#_Toc63772765">FRAGMENT DU COMMENTAIRE SUR LE PROPHÉTE ÉZÉCHIEL.

A Homilia   retoma e explicita as correspondências indicadas:

À direita o HOMEM (alegre) Mateus "aquele que raciocina" Nascimento do Redentor
À esquerda o BOI (triste) Lucas "Aquele que é sacrificado" Crucificação
À direita o LEÃO (alegre) Marcos "aquele que é forte   e seguro" Ressurreição
Acima a ÁGUIA João "aquele que é celeste e eterno" Ascensão (ou melhor: o Verbo assentando junto ao Pai)

Vemos três sistemas diferentes:

Irineu de Lião
sacrifício táurico Lucas
realeza leonina João
nascimento humano Mateus
espírito de profecia   (águia) Marcos
Atanásio
Touro Marcos
Leão Lucas
Homem Mateus
Águia João
Jerônimo
Touro Lucas
Leão Marcos
Homem Mateus
Águia João

Há acordo entre os três no tocante a Mateus; Irineu de Lião e Jerônimo estão de acordo sobre Lucas = Touro; Atanásio e Jerônimo estão de acordo quanto João = Águia.


Agostinho de Hipona   fala do Tetramorfo no capítulo VI de sua obra Concordância dos Evangelhos; conhece o sistema de Irineu de Lião que cita para rejeitar mas parece ignorar o de Jerônimo, propondo as seguintes correspondências:
Leão Mateus
Homem Marcos
Boi Lucas
Águia João

"Ninguém duvida, diz ele, da correspondência do Boi com Lucas. Três dos símbolos são terrestres (o leão, o homem, o boi) acima como uma águia, voa João".


É visível que os símbolos dos evangelistas correspondem aos antigos símbolos zodiacais dos equinócios e dos solstícios, quaisquer que sejam as repartições entre os quatro evangelistas destes símbolos. Todavia, quando da fixação das datas das festas dos evangelistas o conjunto que foi instituído estabeleceu um sistema diferente de coordenadas retangulares que assim se resume:
Marcos 25 de abril Touro Antigo equinócio da primavera
Mateus 21 de setembro Libra Equinócio de outono
Lucas 18 de outubro Libra Antigo equinócio de outono
João 27 de dezembro Capricórnio Solstício de inverno

A aproximação que Jung   faz com os quatro filhos de Horus é portanto bastante justificada.

É possível considerar que o Tetramorfos representa a quebra da imagem sintética da Esfinge. Significa que, pelo fato da Encarnação, aos mistérios do antigo Egito   se substitui a Palavra una e quádrupla, expressa nos Evangelhos.

Paralelamente ao mistério do Deus único em três pessoas afirma a existência de uma verdade única, segundo quatro modulações diferentes. O Cristo é sacrificado até o fim dos tempos e, quando da Parusia, será acompanhado dos Quatro Viventes.

Mas esses não cessam de planar sobre o mundo, marcando a unicidade de Deus, apesar da diversidade das aparências. assim se explica a presença de representações dos Viventes sobre tantas cadeiras escultadas, em particular na Itália do Norte.

A especulação gnóstica pôs os doze apóstolos em relação com os signos do zodíaco. Esta questão foi estudada por P. Saintyves em seu livro Deux mythes évangéliques: les douze apôtres et les soixante-douze disciples (1938). Todavia, nesta obra de 300 páginas busca-se em vão um   quadro de correspondência entre os apóstolos e os signos, assim é a complexidade do problema.


Ver online : Jean Richer