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TÚNICAS DE CEGO

Nothomb (TC:73-75) – Éden e árvores

A Queda do Conhecimento

terça-feira 25 de outubro de 2022, por Cardoso de Castro

      

O Jardim   do Éden é definido como o “lugar” do Homem  . Deus   o plantou expressamente para ele e então fez crescer ali para ele “toda árvore comestível e agradável de se ver”.

      

O que costumamos chamar de “Queda” no Ocidente (termo que não aparece na Bíblia original) é o sentimento   de perda definitiva de um estado   de bem-aventurada inocência. Por culpa   moral, segundo a tradição judaico  -cristã, ou fatalidade biológica, segundo a psicanálise.

Mas o que por conveniência continuarei a chamar de "Queda" é algo bem diferente: é a lacuna entre a realidade do Éden e a nossa.

Por realidade do Éden entendo a Criação tal como a descrevi nas páginas anteriores segundo a Bíblia das Origens, uma Criação antropocêntrica que consiste essencialmente na do Homem  , isto é, no seu advento   à liberdade "em si", "para si" e em todas as áreas, o que obviamente implica sua imortalidade   e sua unidade  .

Quanto à "nossa realidade", é a de cada indivíduo   na condição humana, que se sabe mortal, precário e insignificante, mas que no fundo, mesmo que mal admita para si mesmo  , não acredita realmente nela, porque se acreditasse, não sobreviveria, com um mínimo de lucidez, nem que fosse por alguns dias, mesmo por algumas horas seguidas, pensando constantemente que ia morrer...

Ilusão vital ou memória de uma experiência, essa recusa efetiva (não formulada) de aceitar   nossa condição testemunha em qualquer caso uma exigência de nossa natureza, que só pode ser original. Certamente só nos faz sofrer   quando se está chateado. E enquanto isso paradoxalmente, ignorada, nos conforta. De um modo muitas vezes falacioso e danoso  , porque ao nos impedir de acreditar no horror de nossa condição, a torna suportável para nós, e até mesmo em seus melhores momentos agradável, tanto que a maioria se resigna ou se compraz, esperando melhorá-la em vez de tentar aboli-la, e assim nos privam do gozo redescoberto de nossa verdadeira natureza, que passa necessariamente pelo conhecimento de nossa verdadeira natureza.

É esse conhecimento aí, esse conhecimento de nossa natureza que nos é essencial para nos dar o desejo e o ardor de buscar em nós mesmos os meios, se não de recuperá-la em sua plenitude  , pelo menos de nos aproximar dela quanto seja possível pelo desejo, sobre o qual a história do Jardim   do Éden trata essencialmente. Daí sua extraordinária importância e a necessidade   de lê-lo com atenção apaixonada e sem descuidar de nenhum detalhe.

No último versículo que comentamos, o Jardim do Éden é definido como o “lugar” do Homem. Deus   o plantou expressamente para ele e então fez crescer ali para ele “toda árvore comestível e agradável de se ver”.

O fato que seja à intenção do Homem é sublinhado pela menção “min haadama  ” no texto (2,9). Não se deve esquecer que se trata de um relato didático, de um artifício de memória para despertar   a lembrança do Éden já falhante sem dúvida de seus primeiros destinatários-ouvintes, mergulhados até o pescoço na “condição humana” desde o Dilúvio. O “lugar” do Homem original devia sem cessar, como a nós, lhe ser relembrado.

Sem transição o texto adiciona que se encontram também no jardim duas outras “árvores” cuja análise revela que são muito diferentes das primeiras. Não somente não é dito que Deus as fez crescer aí, nem que são aí à intenção do Homem mas sobretudo elas portam nomes. Nomes que são suficientes para indicar que não se situam no mesmo plano que as anônimas citadas antes delas. Não são nomes de árvores. São senhas.

O versículo 2,9 contém duas frases de regime diferente. A primeira é “verbal” e o complemento do objeto de seu verbo “fez crescer” é indefinido, a segunda é “nominal” e as duas outras “árvores” dela são os sujeitos. As duas outras “árvores” não podem ser complementos do verbo “fez crescer” pois, estando definidas, elas deveriam ser neste caso precedidas da marca   do complemento direto definido “’T” (pronunciado “ett”) em hebreu  .

São senhas, e a palavra “árvore” disto faz parte. Sim, é muito importante, nos dois   casos a palavra “árvore” está incluída no código. A palavra “árvore” que é um símbolo que não tem necessidade de ser codificado, um símbolo transparente da Vida. E associado à “Vida” no código “Árvore de Vida” multiplica de alguma forma a Vida pela Vida, os símbolo “Vida” que no limite nada mais é que uma palavra pelo símbolo “árvore” mais concreto que a representa. Este código é bem conhecido em mitologia comparada. Na epopeia de Gilgamesh por exemplo (onde não é uma “árvore” mas uma “planta  ”) designa a Imortalidade. Aqui também, certamente.


Ver online : Excertos da obra de Paul Nothomb