O que costumamos chamar de “Queda” no Ocidente (termo que não aparece na Bíblia original) é o sentimento de perda definitiva de um estado de bem-aventurada inocência. Por culpa moral, segundo a tradição judaico -cristã, ou fatalidade biológica, segundo a psicanálise.
Mas o que por conveniência continuarei a chamar de "Queda" é algo bem diferente: é a lacuna entre a realidade do Éden e a nossa.
Por realidade do Éden entendo a Criação tal como a descrevi nas páginas anteriores segundo a Bíblia das Origens, uma Criação antropocêntrica que consiste essencialmente na do Homem , isto é, no seu advento à liberdade "em si", "para si" e em todas as áreas, o que obviamente implica sua imortalidade e sua unidade .
Quanto à "nossa realidade", é a de cada indivíduo na condição humana, que se sabe mortal, precário e insignificante, mas que no fundo, mesmo que mal admita para si mesmo , não acredita realmente nela, porque se acreditasse, não sobreviveria, com um mínimo de lucidez, nem que fosse por alguns dias, mesmo por algumas horas seguidas, pensando constantemente que ia morrer...
Ilusão vital ou memória de uma experiência, essa recusa efetiva (não formulada) de aceitar nossa condição testemunha em qualquer caso uma exigência de nossa natureza, que só pode ser original. Certamente só nos faz sofrer quando se está chateado. E enquanto isso paradoxalmente, ignorada, nos conforta. De um modo muitas vezes falacioso e danoso , porque ao nos impedir de acreditar no horror de nossa condição, a torna suportável para nós, e até mesmo em seus melhores momentos agradável, tanto que a maioria se resigna ou se compraz, esperando melhorá-la em vez de tentar aboli-la, e assim nos privam do gozo redescoberto de nossa verdadeira natureza, que passa necessariamente pelo conhecimento de nossa verdadeira natureza.
É esse conhecimento aí, esse conhecimento de nossa natureza que nos é essencial para nos dar o desejo e o ardor de buscar em nós mesmos os meios, se não de recuperá-la em sua plenitude , pelo menos de nos aproximar dela quanto seja possível pelo desejo, sobre o qual a história do Jardim do Éden trata essencialmente. Daí sua extraordinária importância e a necessidade de lê-lo com atenção apaixonada e sem descuidar de nenhum detalhe.
No último versículo que comentamos, o Jardim do Éden é definido como o “lugar” do Homem. Deus o plantou expressamente para ele e então fez crescer ali para ele “toda árvore comestível e agradável de se ver”.
Sem transição o texto adiciona que se encontram também no jardim duas outras “árvores” cuja análise revela que são muito diferentes das primeiras. Não somente não é dito que Deus as fez crescer aí, nem que são aí à intenção do Homem mas sobretudo elas portam nomes. Nomes que são suficientes para indicar que não se situam no mesmo plano que as anônimas citadas antes delas. Não são nomes de árvores. São senhas.
São senhas, e a palavra “árvore” disto faz parte. Sim, é muito importante, nos dois casos a palavra “árvore” está incluída no código. A palavra “árvore” que é um símbolo que não tem necessidade de ser codificado, um símbolo transparente da Vida. E associado à “Vida” no código “Árvore de Vida” multiplica de alguma forma a Vida pela Vida, os símbolo “Vida” que no limite nada mais é que uma palavra pelo símbolo “árvore” mais concreto que a representa. Este código é bem conhecido em mitologia comparada. Na epopeia de Gilgamesh por exemplo (onde não é uma “árvore” mas uma “planta ”) designa a Imortalidade. Aqui também, certamente.