Kingsley (Reality:164-166) – Parmênides - o agora

Para entender o que a deusa   está dizendo [no início do Fragmento 8 do Poema de Parmênides], você deve manter um controle firme   sobre si mesmo  , não permitir que sua mente   vagueie. E aprender   isso pode levar anos.

Mas uma coisa que é difícil não notar muito rapidamente é a forma como ela não perde tempo.

Em poucas palavras, quase antes que você possa piscar um olho, ela se livrou do passado   e do futuro. E agora é a única coisa que resta: tudo o que existe é agora.

Os filósofos entraram em choque. A maioria deles decidiu que ela é uma tola que não entende o tempo; e o consenso geral hoje em dia é que, embora ela tenha tirado o passado e o futuro, não pode haver nada de atemporal sobre ela agora. “Agora”, como eles argumentam muito razoavelmente, é nossa maneira padrão de se referir a um ponto no tempo diferente do futuro ou do passado – e, portanto, o fato de ela escolher essa palavra em particular mostra que ela não está falando sobre algo atemporal, mas simplesmente um ponto no tempo.

E aqueles que falam assim traem outro fato: nunca experimentaram conscientemente o que significa existir agora. As palavras da deusa estão cem por cento corretas. Existe apenas agora, sempre igual a si mesmo em sua plenitude   presente e atemporal; e tudo o que parece acontecer, acontece agora.

Ponderar o futuro, refletir sobre o passado, até mesmo refletir sobre a natureza do futuro, do passado e do agora, ocorre agora. Tudo está agora, tudo junto, sem a menor lacuna ou ausência. Nada está faltando que poderia criar qualquer separação  . Mesmo o pensamento de algo faltando é apenas um sinal de integridade. Mesmo o sentimento   de separação é simplesmente uma prova de unidade  .

Mas, para perceber isso, nossas mentes precisam estar muito, muito quietas.

A deusa está fazendo o seu melhor para chegar até nós de uma maneira que possamos entender. E, no entanto, eis o muito que mesmo uma deusa pode fazer.

Nós também temos que fazer a nossa parte. O problema é que mesmo analisar sua mensagem com a maior atenção aos detalhes não é suficiente, porque não pode haver escrutínio real dos detalhes sem escrutinar o todo  . E nós somos esse todo. A menos que percebamos isso, é como se tivéssemos recebido uma mensagem escrita à mão avisando que nossas vidas estão em perigo – e passássemos todo o tempo que nos resta discutindo sobre a cor da tinta.

Isso pode soar bastante sério. E é porque é. Mas o trabalho   da deusa também tem um outro aspecto: garantir que nunca nos percamos em ser muito sérios sobre nossa seriedade  .

Logo no final de seus “sinais  ” sobre o não nascer e o não morrer  , ela faz o comentário de que “de destruição não há palavra a ser ouvida”. A observação soa tão casual que dificilmente parece valer a pena   parar para notar.

E, no entanto, contém uma tremenda piada.

Sua palavra para “destruição” era um termo padrão, especialmente com poetas gregos, para morte. E – como gostavam de dizer os poetas gregos – essa destruição, essa morte, é o que nos silencia para que, quando desapareçamos ou morramos, “não haja uma palavra” sobre nós “a ser ouvida”.

Mas aqui, em vez de a morte nos silenciar  , a própria morte foi silenciada. Com um gesto grandioso e magnífico a deusa destruiu a destruição; pôs morte à morte.

Seu humor aqui é do tipo muito particular que pertence apenas a deuses ou magos. Brota naturalmente de uma conscientidade   de liberdade total: a liberdade de poder virar a mesa sobre todas aquelas realidades aparentes que nos assombram e parecem governar nossas vidas.

Ao extinguir a criação e a destruição, destruindo a morte, a deusa está magicamente distorcendo nossa percepção de modo que o que parecia inquestionável desapareceu e apenas o que era impensável permanece. Mas não é que, ao fazer isso, ela esteja reescrevendo a história. Não há história para reescrever. Não se trata de mudar   o que aconteceu, porque nada aconteceu.

E é isso que significa existir agora.