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Edith Stein: A Significação da fenomenologia como concepção do mundo - Introdução

quarta-feira 23 de março de 2022, por Cardoso de Castro

  

I - A Significação da fenomenologia como concepção do mundo

Introdução: Weltanschauung e Filosofia

O tema que abordamos comporta um pressuposto e um pôr em questão: se a fenomenologia não é simplesmente uma concepção do mundo (Weltanschauung), ela não deixa de influenciar a concepção do mundo dos fenomenólogos e talvez de outros homens. Para estudar a relação entre fenomenologia e concepção do mundo, é precisos se esclarecer a significação de cada um destes termos. No que concerne a fenomenologia, pode-se contentar com um breve sumário; no que concerne a Weltschauung pode-se permitir ser ainda mais breve.

Pode-se entender por esta uma imagem coerente, uma concepção global do mundo: uma visão de tudo aquilo que é, da ordem e das conexões na qual tudo se mantém, antes de tudo sobre a situação do homem no mundo, sobre sua origem (Woher?) e seu fim (Wohin?). Todo homem que pensa sente a necessidade de tal concepção do mundo; mas todos não chegam aí, e raros são aqueles que por isto se esforçam.

O católico é beneficiado, pois sua doutrina da fé lhe dá uma imagem coerente do mundo. Mas esta herança deve, ela também, ser adquirida, é preciso apropriá-la pessoalmente. Daquele que faz este esforço e que forma sua imagem do mundo na fonte única da doutrina da fé, pode-se dizer que tem uma Weltanschauung religiosa, mas que se mantém fora da Igreja, ou que nela cresceu mas negligenciou no apropriar-se de sua concepção do mundo, que não tem ideia das riquezas que lhe oferece a fé, encontra sérias dificuldades, pois deve então demandar em que fontes buscará sua concepção do mundo.

Nos últimos decênios, e no fundo depois do Iluminismo, as pessoas ditas "cultas" sustentam como ponto de honra sua adesão a uma Weltanschauung científica. Aqueles que a afirmam não têm muito claro o que isto representa. Sem o que deveriam se perguntar se poderia existir algo semelhante. Para que uma concepção do mundo possa reivindicar de uma maneira justificada um caráter de cientificidade, ela deveria ela mesma ser uma ciência ou proceder de uma ou do conjunto de todas as ciências. Ora não há uma ciência, distinta das outras, que teria por tarefa explorar o todo do universo. É ao contrário essencial para a ciência enquanto tal se subdividir em ciências particulares, especializadas na investigação de domínios particulares; e quanto mais uma disciplina se torna científica, mais ela se especializa. Logo, nenhuma das ciências pode dar uma imagem global do mundo, e a Weltanschauung científica não pode ser ela mesma uma ciência, nem resgatar sua imagem do mundo em uma única ciência. Se portanto a Weltanschauung científica pretende poder dar uma imagem global do mundo, ela deverá reunir material provindo de todas as ciências.

É efetivamente assim que em geral se concebem as coisas. Ou bem os indivíduos retiram o material do qual dispõem seja por um trabalho científico pessoal seja utilizando vulgarizações, provenientes de diversas ciências, uma imagem do mundo; ou bem confiaram esta tarefa à filosofia: reunir os resultados dos diversos domínios de conhecimento e construir a partir daí uma imagem do mundo. Mas deve-se dizer que nem de uma nem de outra maneira isto não resultará em uma Weltanschauung científica. Se o especialista das ciências da natureza vai além do domínio que domina realmente e se constrói uma Weltanschauung naturalista, isto que dizer que edificou sobre um fundamento frágil um edifício fantasista. E mesmo se se reúne de todos os domínios aquilo que o estado da ciência permite considerar com adquirido, só se está diante de partes, e o todo, se não é composto segundo um esquema diretor pré-estabelecido, é nada mais que um mosaico composto de fragmentos dissimilares. Também a filosofia repudia ainda mais esta tarefa que avoca ela mesma o caráter de ciência. A filosofia secularizada, destacada da fé, que desde a Renascença desenvolveu-se fora da Igreja, devia, uma vez iniciada em uma relação crítica consigo mesma, quer dizer uma vez consciente de seus próprios limites - portanto depois de Kant   -, conceber sua tarefa de outro modo: não reunir as aquisições das ciências, mas examinar as condições de possibilidade das ciências particulares, lhes garantir os fundamentos seguros e, desta maneira, os fazer aceder ao estatuto de ciência. A filosofia crítica assim refutou legar uma concepção do mundo, e sob seu domínio, este termo efetivamente caiu em descrédito. Desde então, filosofia e Weltanschauung não teriam nada em comum; e não haveria nada a esperar, para uma concepção do mundo, nem mesmo da fenomenologia, se ela quer ser uma filosofia científica? Isto seria uma conclusão precipitada.

Inicialmente, seria possível que a filosofia elabore segundo seus próprios métodos um esquema no qual poderiam ordenar-se os resultados das ciências particulares.

Por outro lado, devemos considerar uma segunda significação de Weltanschauung: cada um não tem uma imagem global e coerente do mundo, mas cada um tem uma certa maneira de ver o mundo: o camponês o vê de outro modo que o cidadão, o prático de outro modo que o teórico, o filósofo de outro modo que o cientista. O que e o como da atividade do homem determinam sua concepção do mundo. Eis porque a orientação filosófica que escolheu um indivíduo não é sem significação para sua concepção do mundo. O filósofo da idade Média, para quem a filosofia e a teologia eram intimamente ligadas, cujo campo de estudo compreendia igualmente as coisas da fé, via em tudo no mundo os fatos que testemunham relações entre criatura e Criador, entre o condicionado e o Incondicionado. O materialista, que está persuadido que não existe realidade espiritual, tem uma concepção do mundo que o mantém preso essencialmente às coisas e aos processos materiais. E o filósofo crítico que busca resolver a questão do conhecimento, do conhecimento em geral e do conhecimento de tal e tal domínio, será facilmente insensível aos fatos que não lhe parecem legitimáveis.

Mas só há o filósofo para quem o registro de seu pensamento filosófico determina a forma de toda sua atitude a respeito do mundo: uma filosofia dominante determina o espírito de uma época (Zeitgeist), quer dizer a maneira de pensar e a sensibilidade daqueles que não eles mesmos filósofos, que não lêem eles mesmo obras dos filósofos criadores e que só os recebem através de numerosas mediações.

Assim devemos propor em dois níveis a questão da significação da fenomenologia como concepção do mundo: 1. Pode ela dar uma imagem global do mundo, ou contribuir à formação de tal imagem? 2. Como pode ela agir sobre a concepção global do mundo e teve ela um impacto sobre o espírito de nossa época?