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de Castro: ente e representação

Textos associados à tese de doutorado

sábado 8 de janeiro de 2022, por Cardoso de Castro

      

Heidegger   toma o termo “metafísica” num sentido bastante particular e determinado, que só pode ser esclarecido pela totalidade de sua filosofia. Em termos bastantes simplificados, como nos indica Ladrière   [1], a “metafísica” é, para Heidegger [2], uma determinada interpretação do ente   e uma determinada concepção da verdade.

Para Ladrière, o que Heidegger chama de “ente”, em conformidade com toda a tradição filosófica ocidental, é tudo aquilo que de uma maneira ou de outra pode servir de sujeito   ao verbo “ser” na terceira pessoa do singular. Por conseguinte, tudo aquilo que, a qualquer titulo, pode ingressar no campo   da experiência, quer se trate da percepção, da imaginação  , do sentimento  , do pensamento   especulativo, da experiência poética ou da experiência mística.

Trata-se de tudo aquilo que, de um modo ou de outro, é; de tudo aquilo que, de uma maneira ou de outra, possui uma forma qualquer de realidade. Ao considerarmos um elemento   da realidade como ente, nós o consideramos apenas na medida em que podemos aplicar-lhe este termo simples e misterioso, eminentemente filosófico: ser. Trata-se de um termo absolutamente indeterminado   e neutro; e que vale por sua generalidade mesma. Portanto, segundo Heidegger, a “metafísica” é um modo de determinar o ente, de interpretá-lo, de caracterizá-lo e de compreendê-lo. Não se trata, necessariamente, de uma espécie de visão intelectual, de uma concepção explicitamente formulada ou de um discurso sistemático sobre o ente. Sem dúvida, a compreensão do ente pode se exprimir num discurso. Mas ela é, antes de tudo, implícita, vivida. A interpretação do ente é, primordialmente, uma atitude prática e efetiva em relação a ele, um modo de nos situarmos diante dele, de nos relacionarmos com ele. Portanto, no sentido heideggeriano, a metafísica é, primordialmente, uma determinação fundamental do ente que se constitui no implícito e que só é tematizada no discurso de modo secundário. [Ladrière, 1994, p. 18]

Para Heidegger, cada época da história ocidental se caracteriza por uma certa forma de metafísica. O que interessa especificamente nos referenciar aqui é a forma de metafísica que domina a chamada “Modernidade”, isto é, a época da Ciência e da Técnica. Ou seja, a metafísica que norteou o que denominamos a Razão Moderna, e que poderíamos dizer, como tantos pensadores, que teve início no final do século XVI [3].

Segundo Heidegger teria havido, em relação ao ente, uma atitude inteiramente característica dessa época. Neste sentido, uma metafísica distinta daquela da Idade Média e daquela da Antiguidade   grega. Ele a chama de “metafísica da representação”; onde o termo representação é também extremamente significativo.

Como todos os termos filosóficos, ele se baseia numa metáfora, na verdade, numa dupla metáfora: falamos de representação para caracterizar o estatuto de um representante, de algo que age em nome de outro; mas, também falamos de representação para designar a realização   efetiva de um espetáculo, onde o espectador   é um puro olhar abstrato, e o espetáculo está presente   diante do espectador, como objeto.

Do ponto de vista filosófico, a metáfora da representação é utilizada para significar que o ente é interpretado como um espetáculo dado a um espectador; e aquilo que é assim dado em espetáculo, desempenha o papel de um substituto da realidade, onde o espectador não é um ente ao lado dos outros, mas um puro olhar, que a filosofia moderna decidiu chamar de sujeito, segundo Ladrière.

De Descartes   até nossos dias o sujeito perde aos poucos sua substância, originalmente de res cogitans, para se tornar uma pura função do olhar, do visar. Ou seja, se constitui em uma pura instância, capaz de ser personalizada por uma maquina, pela qual o mundo é constituído em espetáculo. A realidade se esgota no fato de ser para um sujeito. O ente, por sua vez, é constituído em objeto e interpretado como tal.

Nesse sentido, é significativa a proposta original da fenomenologia de Husserl   quando tenta ir além de Descartes, e reaproximar sujeito e objeto, afirmando que o fenômeno   está penetrado de pensamento, de logos  , e, assim sendo, que o logos se expõe também no fenômeno. Condição justamente para uma “fenomeno-logia”. [de Castro  , Tese de Doutorado em Geografia, UFRJ, 1999]


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[1LADRIÈRE, J. Ética e Pensamento Científico: a abordagem filosófica do problema bioético. São Paulo: Editora Letras & Letras, 1994.

[2HEIDEGGER, Martin. Caminhos de Floresta. Trad. Irene Borges-Duarte. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. (vide A Metafísica de uma Era)

[3Sobre a questão do “inicio” da denominada “Modernidade”, e por conseguinte, do domínio da Razão Moderna, vide o excelente estudo de Stephen Toulmin (1990).