português
O pensamento objetivo ignora o sujeito da percepção. Isso ocorre porque ele se dá o mundo inteiramente pronto, como meio de todo acontecimento possível, e trata a percepção como um desses acontecimentos. Por exemplo, o filósofo empirista considera um sujeito X prestes a perceber e procura descrever aquilo que se passa: existem sensações que são estados ou maneiras de ser do sujeito e que, a esse título, são verdadeiras coisas mentais. O sujeito perceptivo é o lugar dessas coisas, e o filósofo descreve as sensações e seu substrato como se descreve a fauna de um país distante — sem perceber que ele mesmo percebe, que ele é sujeito perceptivo e que a percepção, tal como ele a vive, desmente tudo o que ele diz da percepção em geral. Pois, vista do interior, a percepção não deve nada àquilo que nós sabemos de outro modo sobre o mundo, sobre os estímulos tais como a física os descreve e sobre os órgãos dos sentidos tais como a biologia os descreve. Em primeiro lugar, ela não se apresenta como um acontecimento no mundo ao qual se possa aplicar, por exemplo, a categoria de causalidade, mas a cada momento como uma re-criação ou uma re-constituição do mundo. Se acreditamos em um passado do mundo, no mundo físico, nos "estímulos" [280], no organismo tal como nossos livros o representam, é primeiramente porque temos um campo perceptivo presente e atual, uma superfície de contato com o mundo ou perpetuamente enraizada nele, é porque sem cessar ele vem assaltar e investir a subjetividade, assim como as ondas envolvem um destroço na praia. Todo saber se instala nos horizontes abertos pela percepção. Não se pode tratar de descrever a própria percepção como um dos fatos que se produzem no mundo, já que a percepção é a "falha" deste "grande diamante". Certamente, o intelectualismo representa um progresso na tomada de consciência: aquele lugar fora do mundo que o filósofo empirista subentendia e onde tacitamente ele se situava para descrever o acontecimento da percepção recebe agora um nome, figura na descrição. É o Ego transcendental. Através disso, todas as teses do empirismo encontram-se reviradas, o estado de consciência torna-se consciência de um estado, a passividade torna-se posição de uma passividade, o mundo torna-se o correlativo de um pensamento do mundo e só existe para um constituinte. E todavia permanece verdadeiro que o próprio intelectualismo se dá o mundo inteiramente pronto. Pois a constituição do mundo, tal como ele a concebe, é uma simples cláusula de estilo: a cada termo da descrição empirista acrescenta-se o índice "consciência de...". Subordina-se todo o sistema da experiência — mundo, corpo próprio, eu empírico — a um pensador universal encarregado de produzir as relações dos três termos. Mas, como ele não está envolvido no sistema, as relações continuam a ser aquilo que eram no empirismo: relações de causalidade desdobradas no plano dos acontecimentos cósmicos. Ora, se o corpo próprio e o eu empírico são apenas elementos no sistema da experiência, objetos entre outros objetos sob o olhar do verdadeiro Eu, como pudemos algum dia confundir-nos com nosso corpo, como pudemos acreditar que víamos com nossos olhos aquilo que na verdade apreendíamos por uma [281] inspeção do espírito, como o mundo não é perfeitamente explícito diante de nós, por que ele só se desdobra pouco a pouco e nunca "inteiramente", enfim como ocorre que nós percebamos? Nós só o compreenderemos se o eu empírico e o corpo não forem imediatamente objetos, nunca se tornarem totalmente objetos, se houver um certo sentido em dizer que vejo o pedaço de cera com meus olhos e se, correlativamente, esta possibilidade de ausência, esta dimensão de fuga e de liberdade que a reflexão abre no fundo de nós e que chamam de Eu transcendental em primeiro lugar não forem dadas e nunca forem absolutamente adquiridas, se nunca puder dizer "Eu" absolutamente, e se todo ato de reflexão, toda tomada de posição voluntária se estabelecerem sobre o fundo e sobre a proposição de uma vida de consciência pré-pessoal. O sujeito da percepção permanecerá ignorado enquanto não soubermos evitar a alternativa entre o naturante e o naturado, entre a sensação enquanto estado de consciência e enquanto consciência de um estado, entre a existência em si e a existência para si.
original
La pensée objective ignore le sujet de la perception. C’est qu’elle se donne le monde tout fait, comme milieu de tout événement possible, et traite la perception comme l’un de ces événements. Par exemple, le philosophe empiriste considère un sujet X en train de percevoir et cherche à décrire ce qui se passe : il y a des sensations qui sont des états ou des manières d’être du sujet et, à ce titre, de véritables choses mentales. Le sujet percevant est le lieu de ces choses et le philosophe décrit les sensations et leur substrat comme on décrit la faune d’un pays lointain, — sans s’apercevoir qu’il perçoit lui-même, qu’il est sujet percevant et que la perception telle qu’il la vit dément tout ce qu’il dit de la perception en général. Car, vue de l’intérieur, la perception ne doit rien à ce que nous savons par ailleurs sur le monde, sur les stimuli tels que les décrit la physique et sur les organes des sens tels que les décrit la biologie. Elle ne se donne pas d’abord comme un événement dans le monde auquel on puisse appliquer, par exemple, la catégorie de causalité, mais comme une re-création ou une re-constitution du monde à chaque moment. Si nous croyons à un passé du monde, au monde physique, aux « stimuli », à l’organisme tel que le représentent nos livres, c’est d’abord parce que nous avons un champ perceptif présent et actuel, une surface de contact avec le monde ou en enracinement perpétuel en lui, c’est parce qu’il vient sans cesse assaillir et investir la subjectivité comme les vagues entourent une épave sur la plage. Tout le savoir s’installe dans les horizons ouverts par la perception. Il ne peut pas être question de décrire la perception elle-même comme l’un des faits qui se produisent dans le monde, puisque nous ne pouvons jamais effacer dans le tableau du monde cette lacune que nous sommes et par où il vient à exister pour quelqu’un, puisque la perception est le « défaut » de ce « grand diamant ». L’intellectualisme représente bien un progrès dans la prise de conscience : ce lieu hors du monde que le philosophe empiriste sous-entendait et où il se plaçait tacitement pour décrire l’événement de la perception, il reçoit maintenant un nom, il figure dans la description. C’est l’Ego transcendantal. Par là, toutes les thèses de l’empirisme se trouvent renversées, l’état de conscience devient la conscience d’un état, la passivité position d’une passivité, le monde devient le corrélatif d’une pensée du monde et n’existe plus que pour un constituant. Et pourtant il reste vrai de dire que l’intellectualisme, lui aussi, se donne le monde tout fait. Car la constitution du monde telle qu’il la conçoit est une simple clause de style : à chaque terme de la description empiriste, on ajoute l’indice « conscience de... » On subordonne tout le système de l’expérience, — monde, corps propre, et moi empirique, — à un penseur universel chargé de porter les relations des trois termes. Mais, comme il n’y est pas engagé, elles restent ce qu’elles étaient dans l’empirisme : des relations de causalité étalées sur le plan des événements cosmiques. Or si le corps propre et le moi empirique ne sont que des éléments dans le système de l’expérience, objets parmi d’autres objets sous le regard du véritable Je, comment pouvons-nous jamais nous confondre avec notre corps, comment avons-nous pu croire que nous vissions de nos yeux ce que nous saisissons en vérité par une inspection de l’esprit , comment le monde n’est-il pas en face de nous parfaitement explicite, pourquoi ne se déploie-t-il que peu à peu et jamais « en entier », enfin comment se fait-il que nous percevions ? Nous ne le comprendrons que si le moi empirique et le corps ne sont pas d’emblée des objets, ne le deviennent jamais tout à fait, s’il y a un certain sens à dire que je vois le morceau de cire de mes yeux, et si corrélativement cette possibilité d’absence, cette dimension de fuite et de liberté que la réflexion ouvre au fond de nous et qu’on appelle le Je transcendantal ne sont pas données d’abord et ne sont jamais absolument acquises, si je ne peux jamais dire « Je » absolument et si tout acte de réflexion, toute prise de position volontaire s’établit sur le fond et sur la proposition d’une vie de conscience prépersonnelle. Le sujet de la perception restera ignoré tant que nous ne saurons pas éviter l’alternative du naturé et du naturant, de la sensation comme état de conscience et comme conscience d’un état, de l’existence en soi et de l’existence pour soi.