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A condição pós-moderna

Lyotard (CPM) – a condição pós-moderna

Introdução

terça-feira 2 de novembro de 2021, por Cardoso de Castro

      

LYOTARD  , Jean-François. A condição pós-moderna. Tr. Ricardo Corrêa Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.

LYOTARD, Jean-François. La condition postmoderne. Paris: Minuit, 2018 (ebook)

      

português

ESTE estudo tem por objeto a posição do saber nas sociedades mais desenvolvidas. Decidiu-se chamá-la de “pós-moderna”. A palavra é usada, no continente americano, por sociólogos   e críticos. Designa o estado   da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do final do século XIX. Aqui, essas transformações serão situadas em relação à crise dos relatos.

Originalmente, a ciência entra em conflito com os relatos. Do ponto de vista de seus próprios critérios, a maior parte destes últimos revelam-se como fábulas. Mas, na medida em que não se limite a enunciar regularidades úteis e que busque o verdadeiro, deve legitimar suas regras de jogo  . Assim, exerce sobre seu próprio estatuto um discurso de legitimação, chamado filosofia. Quando este metadiscurso recorre explicitamente a algum grande relato, como a dialética do espírito, a hermenêutica do sentido, a emancipação do sujeito   racional ou trabalhador, o desenvolvimento da riqueza  , decide-se chamar “moderna” a ciência que a isto se refere para se legitimar. É assim, por exemplo, que a regra   do consenso entre o remetente e destinatário de um enunciado com valor   de verdade será tida como aceitável, se ela se inscreve na perspectiva de uma unanimidade possível de mentalidades racionais: foi este o relato das Luzes, onde o herói do saber trabalha por um bom fim ético-político, a paz   universal  . Vê-se neste caso que, legitimando o saber por um metarrelato, que implica uma filosofia da história, somos conduzidos a questionar a validade das instituições que regem o vínculo social: elas também devem ser legitimadas. A justiça relaciona-se assim com o grande relato, no mesmo grau que a verdade.

Simplificando ao extremo, considera-se “pós-moderna” a incredulidade em relação aos metarrelatos. É, sem dúvida, um efeito do progresso das ciências; mas este progresso, por sua vez, a supõe. Ao desuso do dispositivo metanarrativo de legitimação corresponde sobretudo a crise da filosofia metafísica e a da instituição universitária que dela dependia. A função narrativa perde seus atores (functeurs), os grandes heróis, os grandes perigos, os grandes périplos, e os grandes objetivos. Ela se dispersa em nuvens de elementos   de linguagem narrativas, mas também denotativos, prescritivos, descritivos etc., cada um veiculando consigo validades pragmáticas sui generis. Cada um de nós vive em muitas destas encruzilhadas. Não formamos combinações de linguagem necessariamente estáveis, e as propriedades destas por nós formadas não são necessariamente comunicáveis.

Assim, nasce uma sociedade que se baseia menos numa antropologia newtoniana (como o estruturalismo ou a teoria   dos sistemas) e mais numa pragmática das partículas de linguagem. Existem muitos jogos de linguagem diferentes; trata-se da heterogeneidade dos elementos. Somente darão origem à instituição através de placas; é o determinismo local.

Não obstante, os decisores tentam gerir estas nuvens de socialidades sobre matrizes de input/output, segundo uma lógica que implica a comensurabilidade dos elementos e a determinabilidade do todo. Para eles, nossa vida fica reduzida ao aumento do poder. Sua legitimação em matéria de justiça social e de verdade científica seria a de otimizar as performances do sistema, sua eficácia. A aplicação deste critério a todos os nossos jogos não se realiza sem algum terror, forte   ou suave: sede operatórios, isto é, comensuráveis, ou desaparecei.

Esta lógica do melhor desempenho é, sem dúvida, inconsistente sob muitos aspectos, sobretudo no que se refere à contradição no campo   socioeconômico: ela quer, simultaneamente, menos trabalho   (para baixar os custos da produção) e mais trabalho (para aliviar a carga social da população inativa). Mas a incredulidade resultante é tal que não se espera destas contradições uma saída salvadora, como pensava Marx  .

A condição pós-moderna é, todavia, tão estranha ao desencanto como à positividade cega da deslegitimação. Após os metarrelatos, onde se poderá encontrar a legitimidade? O critério de operatividade é tecnológico; ele não é pertinente para se julgar o verdadeiro e o justo. Seria pelo consenso, obtido por discussão, como pensa Habermas  ? Isto violentaria a heterogeneidade dos jogos de linguagem. E a invenção se faz sempre no dissentimento. O saber pós-moderno não é somente o instrumento dos poderes. Ele aguça nossa sensibilidade   para as diferenças e reforça nossa capacidade de suportar o incomensurável. Ele mesmo não encontra sua razão de ser na homologia dos experts, mas na paralogia dos inventores.

A questão aberta é a seguinte: uma legitimação do vínculo social, uma sociedade justa, será praticável segundo um paradoxo análogo ao da atividade   científica? Em que consistiría este paradoxo?

original

Cette étude a pour objet la condition du savoir dans les sociétés les plus développées. On a décidé de la nommer « postmoderne ». Le mot est en usage sur le continent américain, sous la plume de sociologues et de critiques. Il désigne l’état de la culture après les transformations qui ont affecté les règles des jeux de la science, de la littérature et des arts à partir de la fin du XIXe siècle. Ici, on situera ces transformations par rapport à la crise des récits.

La science est d’origine en conflit avec les récits. À l’aune de ses propres critères, la plupart de ceux-ci se révèlent des fables. Mais, pour autant qu’elle ne se réduit pas à énoncer des régularités utiles et qu’elle cherche le vrai, elle se doit de légitimer ses règles de jeu. C’est alors qu’elle tient sur son propre statut un discours de légitimation, qui s’est appelé philosophie. Quand ce métadiscours recourt explicitement à tel ou tel grand récit, comme la dialectique de l’Esprit  , l’herméneutique du sens, l’émancipation du sujet raisonnable ou travailleur, le développement de la richesse, on décide d’appeler « moderne » la science qui s’y réfère pour se légitimer. C’est ainsi par exemple que la règle du consensus entre le destinateur et le destinataire d’un énoncé à valeur de vérité sera tenue pour acceptable si elle s’inscrit dans la perspective d’une unanimité possible des esprits raisonnables : c’était le récit des Lumières, où le héros du savoir travaille à une bonne fin éthico-politique, la paix universelle. On voit sur ce cas qu’en légitimant le savoir par un métarécit, qui implique une philosophie de l’histoire, on est conduit à se questionner sur la validité des institutions qui régissent le lien social : elles aussi demandent à être légitimées. La justice se trouve ainsi référée au grand récit, au même titre que la vérité.

En simplifiant à l’extrême, on tient pour « postmoderne » l’incrédulité à l’égard des métarécits. Celle-ci est sans doute un effet du progrès des sciences ; mais ce progrès à son tour la suppose. À la désuétude du dispositif métanarratif de légitimation correspond notamment la crise de la philosophie métaphysique, et celle de l’institution universitaire qui dépendait d’elle. La fonction narrative perd ses foncteurs, le grand héros, les grands périls, les grands périples et le grand but. Elle se disperse en nuages d’éléments langagiers narratifs, mais aussi dénotatifs, prescriptifs, descriptifs, etc, chacun véhiculant avec soi des valences pragmatiques sui generis. Chacun de nous vit aux carrefours de beaucoup de celles-ci. Nous ne formons pas des combinaisons langagières stables nécessairement, et les propriétés de celles que nous formons ne sont pas nécessairement communicables.

Ainsi la société qui vient relève moins d’une anthropologie newtonienne (comme le structuralisme ou la théorie des systèmes) et davantage d’une pragmatique des particules langagières. Il y a beaucoup de jeux de langage différents, c’est l’hétérogénéité des éléments. Ils ne donnent lieu à institution que par plaques, c’est le déterminisme local.

Les décideurs essaient pourtant de gérer ces nuages de socialité sur des matrices d’input/output, selon une logique qui implique la commensurabilité des éléments et la déterminabilité du tout. Notre vie se trouve vouée par eux à l’accroissement de la puissance. Sa légitimation en mati  ère de justice sociale comme de vérité scientifique serait d’optimiser les performances du système, l’efficacité. L’application de ce critère à tous nos jeux ne va pas sans quelque terreur, douce ou dure : Soyez opératoires, c’est-à-dire commensurables, ou disparaissez.

Cette logique du plus performant est sans doute inconsistante à beaucoup d’égards, notamment à celui de la contradiction dans le champ socio-économique : elle veut à la fois moins de travail (pour abaisser les coûts de production) et plus de travail (pour alléger la charge sociale de la population inactive). Mais l’incrédulité est désormais telle qu’on n’attend pas de ces inconsistances une issue salvatrice, comme le faisait Marx.

La condition postmoderne est pourtant étrangère au désenchantement, comme à la positivité aveugle de la délégitimation. Où peut résider la légitimité, après les métarécits ? Le critère d’opérativité est technologique, il n’est pas pertinent pour juger du vrai et du juste. Le consensus obtenu par discussion, comme le pense Habermas ? Il violente l’hétérogénéité des jeux de langage. Et l’invention se fait toujours dans le dissentiment. Le savoir postmoderne n’est pas seulement l’instrument des pouvoirs. Il raffine notre sensibilité aux différences et renforce notre capacité de supporter l’incommensurable. Lui-même ne trouve pas sa raison dans l’homologie des experts, mais dans la paralogie des inventeurs.

La question ouverte est celle-ci : une légitimation du lien social, une société juste, est-elle praticable selon un paradoxe analogue à celui de l’activité scientifique ? En quoi consisterait-il ?


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