Este ensaio tem por objetivo aproveitar a ocasião da eleição de Donald Trump, em 8 de novembro de 2016, para aproximar três fenômenos que os comentaristas políticos já identificaram, ainda que nem sempre notem a relação entre os três, deixando por isso de perceber a imensa energia política que poderia ser extraída dessa aproximação.
No início dos anos 1990, logo após a “vitória contra o comunismo” simbolizada pela queda do muro de Berlim, no exato momento em que alguns pensaram que a história havia concluído seu curso, [1] uma outra história se iniciava sub-repticiamente.
Ela se caracteriza, antes de mais nada, por aquilo que chamamos de “desregulamentação”, e que confere um sentido cada vez mais pejorativo à palavra “globalização”. Mas ela marca também o início, de forma simultânea em todo o mundo, de uma violenta explosão das desigualdades. Por fim – e isso não é destacado com frequência –, é nessa época que se inicia a sistemática operação para a negação da existência da mutação climática [2]. (“Clima”, aqui, é tomado no sentido geral das relações dos humanos com suas condições materiais de existência.)
Este ensaio propõe abordar esses três fenômenos como sintomas de uma mesma situação histórica: tudo ocorre como se uma parte importante das classes dirigentes (que hoje, de modo um tanto vago, chamamos de “elites”) tivesse chegado à conclusão de que não há mais lugar suficiente na terra [3] para elas e para o resto de seus habitantes.
Em consequência, decidiram que era inútil fingir que a história continuaria conduzindo a um horizonte comum, em que “todos os homens” poderiam prosperar igualmente. Desde os anos 1980, as classes dirigentes não pretendem mais liderar, mas se refugiar fora do mundo. Dessa fuga , da qual Donald Trump é apenas um símbolo entre outros, somos nós que sofremos todas a consequências. A ausência de um mundo comum a compartilhar está nos enlouquecendo.
A hipótese é que não entenderemos nada dos posicionamentos políticos dos últimos cinquenta anos, se não reservarmos um lugar central à questão do clima e à sua denegação. Sem a consciência de que entramos em um Novo Regime Climático, [4] não podemos compreender nem a explosão das desigualdades, nem a amplitude das desregulamentações, nem a crítica da globalização e nem, sobretudo, o desejo desesperado de regressar às velhas prote ções do Estado nacional – o que se costuma chamar, um tanto erroneamente, de “ascensão do populismo”.
Para resistir a essa perda de orientação comum, será preciso aterrar6 em algum lugar. Daí a importância de saber como se orientar, e para isso traçar uma espécie de mapa das posições ditadas por essa nova paisagem na qual são redefinidos não apenas os afetos da vida pública, mas também as suas bases.
As reflexões que se seguem, escritas em estilo propositalmente brusco, buscam explorar a possibilidade de canalizar certas emoções políticas na direção de novos objetos.
O autor, não sendo nenhuma autoridade em ciências políticas, só pode oferecer aos leitores a oportunidade de refutar essa hipótese e procurar outras melhores.