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Da essência da informática

de Castro (SEI): a máquina universal

Técnica e informática a partir do pensamento de M. Heidegger

sexta-feira 22 de outubro de 2021, por Cardoso de Castro

      

DE CASTRO  , Murilo Cardoso. Sobre a essência da informática. Técnica e Informática a partir do pensamento   de M. Heidegger  . Tese (Doutorado em Filosofia) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, p. 189. 2005. (revisado)

      

Em 1936, quase dez   anos antes da construção do primeiro computador, o matemático inglês Alan Turing   propôs um modelo simples do que seria uma máquina para tratamento de informação, segundo as seguintes premissas (Hodges, 1988; Carneiro Leão et all, 1987):

  • Os processos passíveis de decomposição em uma sequência finita e ordenada de operações sobre um alfabeto restrito, que alcançam o resultado buscado, em um tempo finito  , podem ser realizados por uma “máquina de Turing”;
  • Os trabalhos, que uma máquina de Turing é capaz de realizar, são formalizados como algoritmos ou procedimentos efetivos;
  • Uma máquina de Turing pode encontrar-se   em um número finito de estados distintos e predeterminados, correspondendo cada estado   a uma maneira diferente da máquina reagir às mensagens de entrada;
  • Para cada problema calculável corresponde ao menos uma máquina de Turing (ou seja, uma tabela de instruções) capaz de resolvê-lo;

Esta máquina, denominada máquina universal  , é, portanto, um gênero   de máquina capaz de resolver todos os problemas calculáveis ou de realizar todos os procedimentos efetivos; o poder da máquina universal reside em sua tabela de instruções, que lhe permite inclusive imitar o comportamento   de qualquer outra máquina.

 A máquina de von Neumann  

Em 1945, Johann von Neumann (1903-1957) apresentou uma proposta de arquitetura de uma máquina dentro destes princípios, mas que teria uma grande inovação, do ponto de vista técnico. Ela teria registrado em sua memória a tabela de instruções junto com o conjunto   de dados para tratamento. Ganhava a forma de projeto físico, a máquina universal teorizada por Turing. Pouco tempo depois, em 1950, a proposta de Neumann se materializaria no primeiro computador, o EDVAC (Electronic Discrete Variable Automatic Computer).

A ideia revolucionária de von Neumann determina até hoje a arquitetura de computadores. Primeiro, dá às instruções a mesma forma que os dados, essencialmente sequências binárias em uma linguagem então denominada “linguagem de máquina”. Segundo, alimenta tanto as instruções como os dados na memória da máquina, de modo que o programa (as instruções) e as estruturas de dados são agora   internos à máquina, e, ainda mais, podem ser manipulados. Vale lembrar, que nas máquinas anteriores as instruções eram externas sob a forma de conexões de hardware acopladas às máquinas.

Outras características deste arquétipo do computador, a máquina universal aperfeiçoada por von Neumann, merecem também ser invocadas, na medida em que esta se coloca como um engenho capaz de executar um algoritmo, entendido como um trabalho   operatório sobre dados simbólicos:

  • Este trabalho sobre símbolos, deixa de fora toda consideração   sobre a significação ou a interpretação dos sinais   ou símbolos que opera, como na teoria   da informação de Shannon (por sinal, Turing e Shannon estiveram juntos durante a Segunda Guerra  , trabalhando sobre problemas de decodificação de códigos secretos);
  • Só um ser humano  , atuando como observador consciente, e não como mero periférico de comando desta máquina, pode interpretar ou projetar alguma significação sobre o sistema formal em uso; vale notar que um sistema formal é um dispositivo simbólico no qual a gramática e a interpretação (se existir) de uma expressão composta em sua linguagem estão determinadas por regras precisamente definidas que se referem apenas à forma ou à configuração dos símbolos que constituem a expressão (Hofstadter, 1979; Ladrière, 1977);
  • O registrado na máquina pretende servir ao conhecimento da realidade objetivada, que cada vez mais se fragmenta em diminutos átomos, capazes de serem registrados sob uma codificação impalpável; este objeto pulverizado, representado por dados simbólicos elementares sobre os quais trabalha a máquina universal, está em uma escala muito abaixo do patamar da percepção imediata; os novos dispositivos para captura digital não apreendem uma forma global, mas apenas uma imagem, um padrão, uma medida, traduzida em uma sequência de impulsos binários.

 Dissolução informacional – dados simbólicos

Segundo Lévy   (1987), os objetos, os processos, as palavras são decompostos, analisados, tratados pela informática, em um nível tão elementar que não há mais algo diretamente perceptível do que está sendo diretamente manipulado pelo computador; há somente uma série interminável de ocorrências de símbolos, células, pixels, “átomos de circunstâncias”, que se opõem aos atos-fatos de nossa vida ordinária, com seus nomes, suas coisas e suas unidades de sentido imediatamente sensíveis.

A dissolução do objeto intuitivamente sensível   acompanha, por sua vez, certa metamorfose   do sujeito  , que entretinha relações de conhecimento e ação com as coisas. Sujeito e objeto cedem lugar a um programa e uma base de dados, ou seja, a uma série de operações elementares, codificadas como algoritmos sobre dados simbólicos.

Os objetos tratados pelo computador, contrariamente à maior parte das máquinas que a precederam, não são coisas, mas símbolos das coisas, e a correspondência entre o código e o real se assenta no fato que a manipulação dos símbolos repercute nas coisas, assim se constituindo em eventos que contribuem à transformação do mundo. Aí está exatamente o sentido da informação. Esta não é simplesmente um substituto passivo dos objetos que ela representa. O registro magnético de um indivíduo em um arquivo, não é só um simples conjunto de informes fixados nos símbolos binários; de um modo ou de outro, o arquivo age de volta sobre o indivíduo. (Chazal  , 1995, pág. 20)


Ver online : O que é informática e sua essência. Pensando a "questão da informática" com M. Heidegger


CARNEIRO-LEÃO, Emmanuel et all. A Máquina e seu Avesso. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1987

CHAZAL, Gérard. Le miroir automate. Introduction à une philosophie de l’informatique. Seyssel: Champ Vallon, 1995

HODGES, Andrew. Alan Turing ou l’énigme de l’intelligence. Paris: Payot, 1988 (original em inglês, em nova edição)

HOFSTADTER, Douglas R.. Gödel, Escher, Bach. New York: Penguin, 1980 (tradução brasileira

LADRIÈRE, Jean. A Articulação do Sentido. São Paulo: EDUSP, 1977

LÉVY, Pierre. La Machine Univers. Paris: La Découverte, 1987