
Um reflexo implica em uma superfície de reflexão, que, de acordo com sua capacidade de reflexão e sua forma, ordena e determina a conformação deste reflexo. Ao mesmo tempo, qualquer reflexo é propiciado também por uma luz que parece atravessar a janela ao fundo, por trás da pessoa, conforme indicado pela imagem refletida sobre a bola, vindo a garantir toda esta reflexão. Luz, por sua vez, que ilumina, colore e configura todo o quadro da imagem: metáfora da essência da informática, ordenadora e regente do meio técnico-científico-informacional que abarca, sem ser diretamente visto, todo o mundo circundante, o quadro; e certamente também responde à metafísica de nossa época, como diria Heidegger (1949/1962), a metafísica da representação do mundo.
Esta luz que dá visibilidade e colorido a tudo, interpretada como a chamada “com-posição” [1], evidencia e legitima, a seu modo, a própria técnica que conforma a tecnologia da informação e da comunicação (TIC), no caso na modalidade computador. Da mesma maneira, o meio técnico-científico-informacional aqui à luz da “com-posição informacional e comunicacional”, imanente ao ápice da técnica moderna, a TIC, evidencia e legitima o engenho de representação (o computador) e o “dar-se propor-se da informática”.
Este meio, por sua vez, dita o “raciocínio”, segundo um "pensar calculativo", que orienta a constituição do “dar-se e propor-se da informática”. Ou seja, a perspectiva de adoção do computador em uma situação calculativa iluminada pela “com-posição”. Este “raciocínio” se apresenta à montante, em consonância com o pensar calculativo, que leva a pessoa a usar uma TIC para sua lida, na medida que considera todo e qualquer raciocínio como passível de uma leitura em termos de um problema de natureza informacional/comunicacional.
Ao longo da aplicação e uso do engenho, o raciocínio se apresenta, por sua vez, transfigurado em desafio metodológico e técnico na constituição do “dar-se e propor-se da informática”. Este desafio toma conta e enreda o ser-no-mundo imediato de tal maneira que este sucumbe toda e qualquer iniciativa de pensar meditativo sobre “o que” está fazendo ou constituindo, à exigência de responder e co-responder, a todo momento, a um raciocínio de tipo “como” fazer para implementar e operar o próprio raciocínio, em termos informacionais-comunicacionais. O engenho de representação, na base da solução informatizada do raciocínio, configura até mesmo “o que” é preciso pensar/calcular e o “como” pensar/calcular de acordo com a linguagem do engenho TIC, seus algoritmos e sua estrutura e organização dos dados simbólicos, etc.
Por fim, à jusante da constituição do “dar-se e propor-se da informática”, o raciocínio se apresenta em termos de tentativas de conciliação dos resultados obtidos, ou seja, em termos de conciliação desta constituição em si mesmo com o discurso que deve enquadrá-los. Sob a mesma luz que ilumina o meio isto se dá de maneira facilitada, e até mesmo garantida. Os resultados obtidos se conformam à produção intelectual geral, na medida que a informatização avança e universaliza o “discurso do método informacional/comunicacional”. Os discursos se conciliam sobre um método único, tendo como eixo norteador “o discurso do método informacional/comunicacional”, paródia moderna do “Discurso do Método” cartesiano. As divergências são aparentes já que os fundamentos são os mesmos.
A problemática que, em grande parte, emana da luz que ilumina o meio, e assim dita a configuração informacional-comunicacional do raciocínio em um “dar-se e propor-se da informática”, deve ser bem analisada. Esta problemática adota a TIC enquanto engenho de representação, re-velando de certa maneira o meio. Ela pode também oferecer indícios das modalidades de atualização das virtualidades da TIC em um específico “dar-se e propor-se da informática”.
A razão de ser do computador, enquanto TIC, ditada pela problemática iluminada pela “com-posição”, é a representação de um problema, sempre enquadrado sob a perspectiva de algo de natureza informacional-comunicacional. Este é um dos riscos maiores no “dar-se e propor-se da informática”: a própria razão de ser do engenho que o constitui se estatui sempre como razão de ser da informática instituída como solução infomacional-comunicacional de todo e qualquer raciocínio.
Ou seja, o raciocínio é metamorfoseado pelo engenho de representação, na claridade do meio, iluminado pela com-posição, que orienta a constituição de qualquer “dar-se e propor-se da informática”, limitando sobremaneira a mundanidade do ser-no-mundo, à quase um “sem-mundo” (uma modalidade "pobre de mundo", como a dos animais, segundo Heidegger , 1983/2003) na ocupação informacional-comunicacional, em uma aplicação da informática.
No “dar-se e propor-se da informática”, o computador, como engenho de representação, aporta mais do que simples forma. A linguagem e a configuração técnica do computador, são co-responsáveis pela constituição do “dar-se e propor-se”. É preciso não apenas conhecer a “linguagem do computador”, mas conformar o raciocínio a ela. A “racionalidade” já programada nos circuitos (hardware), nas estruturas de dados simbólicos (bases de dados) e nos programas do computador (software), deve ser apropriada por quem quer que dele faça qualquer uso.
O problema científico, administrativo, organizacional, etc., que por vezes só tem sentido no meio iluminado pela com-posição, se define enquanto tal pelas propriedades que adquire em sua formatação informacional/comunicacional. O “discurso do método informacional/comunicacional” tem doravante seu lugar privilegiado na ciência, na economia, no social, no político e até no cultural, enquanto discurso enunciado permanentemente pelas tecnologias da informação e da comunicação que permeiam todas as atividades humanas.
O sonho do método universal se materializa, ou melhor dizendo, se “maquiniza”, se automatiza. A “máquina universal”, cristalização do “método universal”, guia a constituição do “dar-se e propor-se da informática”, reduzindo a mundanidade do Dasein, à condição de um ser-no-mundo na modalidade informacional-comunicacional, e, por conseguinte, em uma condição de "pobre de mundo", fixando em estereótipos os atos do Dasein que ainda assim a “anima”, minimamente pelo acionamento dos algoritmos e dados sob a TIC.
Não há potencialização do ser humano, em sua apropriação das tecnologias da informação e da comunicação, como apregoam os entusiastas da informatização, mas um imensa despontencialização. A reflexão sobre esta despontencialização carece de ser feita com a máxima urgência. O “perigo que salva”, que Heidegger resgata da poesia de Hölderlin , ao examinar a questão da técnica, ronda ainda mais forte na era da informação e da comunicação. As gerações que se desenvolvem sob esta despontencialização podem estar diante de uma perda lamentável, de sua essência humana, de seu "pensar", de sua alma.