Dentre as surpreendentes litogravuras do artista plástico M. C. Escher, destaca-se aquela denominada “Mão com esfera reflexiva”. Considerando a importância da analogia , para o pensar humano, como indica Aristóteles, examina-se a seguir o uso desta litogravura como possível analogia ao fenômeno do “dar-se e propor-se da informática”. Na “revelação” desta imagem espera-se compreender o Dasein , enquanto ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], na ocupação (Besorgen) do “dar-se e propor-se” informacional-comunicacional, tão em voga nos dias de hoje, nesta chamada Era da informação e da comunicação.

Desde sua anunciação como “cérebro eletrônico”, o computador mantém conotações que mitificam e alardeiam sua imensa capacidade de cálculo, simulação, prospecção, antecipação , previsão. Em todas estas formas o computador demonstra seu poder de mimese de um nível de racionalidade. Algumas propagandas abusivas o promovem como uma espécie de “bola de cristal”, como na imagem do Escher. Uma espécie de artefato “divinatório”, fundamentado e legitimado na ciência e na técnica modernas.
Ao computador, como a bola de cristal com suas associações com as artes mágicas e divinatórias, outorga-se uma qualidade encantatória e sedutora, que promove ainda mais a ilusão de finalmente o homem ter apreendido sob a forma digital, e assim conquistado e dominado, o que quer que seja que obedeça a racionalidade lógica ; de ter até mesmo capturado sob a “forma digital”, os “espectros” das coisas, representando-as como dados simbólicos, significativos apenas em um meio técnico-científico-informacional que legitima e sustenta “disposições e dispositivos” que mantém este processo de “informatização do real ”, ou de sua passagem para o “virtual” como preferem seus apologistas.
Na litogravura de Escher, além da bola de cristal, que ocupa o centro da imagem, como as tecnologias da informação e da comunicação (TICs) em nossos dias, sobressai a mão que levanta e sustenta a bola de cristal. Pelo reflexo da pessoa , projetado sobre a bola, com o braço estendido e a mão tocando a bola, parece que a mão pertence a esta mesma pessoa, que se encontra refletida na bola. No entanto, o artista consegue criar alguma incerteza, à medida que na litogravura retrata-se apenas uma mão empunhando uma bola de cristal sobre um fundo em branco; tudo o mais é somente reflexo, simulacro, representação sobre esta bola.
O lugar central que ocupa a informática na atualidade não poderia ser melhor expressado, pela dimensão da bola ocupando todo o lado superior da imagem. E a indicação do papel do humano, nesta ascensão e domínio da técnica, é ressaltada pela mão que suspende a bola, indicando o ato humano que a eleva a esta condição hegemônica em nossa vida. Graças a esta ascensão e centralidade a bola de cristal, como a informática é capaz de “refletir” tudo a sua volta, toda a atividade dita informacional-comunicacional do humanidade moderna.
Ao mesmo tempo , esse fundo vazio e difuso, do escuro para o claro, realça a presença da mão segurando a bola. Tanto mais pelo fato que tudo à volta parece se resumir àquilo que se reflete sobre a bola, como se, paradoxalmente, o que doravante vemos, pensamos e até sentimos nos fosse passado pela tela de um computador. O que não é mais estranho para muitos que reduzem sua própria vida à interação com computadores ou TICs, no escritório e em casa .
Ou seja, temos nesta analogia com a informática, uma litogravura com apenas um fundo, um “nada”, um braço e uma mão, e uma bola de cristal contendo tudo o mais refletido sobre sua superfície. Excelente paródia da “vida digital” apregoada há anos atrás por Nicholas Negroponte, o então “gênio do MIT”, que tanto se empenhou por um “mundo digital”, se encarregando inclusive do projeto de um computador de 100 dólares ao alcance de todo mundo; projeto que até teve o apoio do governo brasileiro à época.
Assim como a bola de cristal na imagem, a tecnologia da informação também representa o que quer que seja, prescindindo de qualquer outra referência que não ela própria e sua capacidade de “reflexão ”; desde que empunhada e elevada à posição correta diante daquele que a manipula e do mundo que deseja ver “refletido”, ou melhor “virtualizado” ou “digitalizado”.
A mão, elevando e mantendo a bola de cristal diante, indica, no caso da tecnologia da informação, um aspecto notável desta “manualidade informacional-comunicacional”: a relação fundamental entre Dasein e instrumento tecnológico da informação e da comunicação. Qualquer TIC, como qualquer instrumento conta com o Dasein em que se “anima ”, se é manipulada; mesmo que o faça segundo os requisitos de operação e de uso, imanentes ao meio de onde a tecnologia emerge. Todavia, há algo peculiar à TIC enquanto um instrumento que guarda uma "intimidade" com o humano, em particular com seu raciocínio, sua memória e seus atos comunicativos.
Como a bola na litogravura, a TIC precisa ser tomada, elevada ao ponto de utilidade máxima (condição de reflexão ótima, como a da bola na imagem) e sustentada diante de si e do mundo, para que este “dis-positivo de representação” (“engenho de representação”) possa ser mobilizado por esta “ocupação” [Besorgen], e venha a se constituir no “dar-se e propor-se da informática”. Este “dar-se e propor-se da informática”, promovido pela iteração desta ocupação, põe em jogo por sua vez outros elementos requeridos neste “dar-se e propor-se”. A ocupação é o ponto de partida original do “dar-se e propor-se da informática” e de remetimentos a outros tantos elementos imediatos que se elaboram em uma espécie de coalescência única sob esta iteração.
O “ser-no-mundo” na “ocupação informacional-comunicacional” no uso da TIC, por exemplo o computador, é o fator “vital” na constituição do “dar-se da informática”. Este “dar-se”, por sua vez, é constituído pela coalescência de outros entes, cada qual enquanto ser-à-mão (Zuhandenheit) remetidos pela ocupação. Que elementos são estes e como entram na constituição do “dar-se e propor-se da informática”?