A apelidada “Era da Informação” assenta-se sobre o pressuposto de um processo aparentemente inexorável, qual seja, a informatização tanto da Sociedade quanto da Natureza. Ou, mais corretamente, a informatização de todas as atividades humanas na Sociedade e de todos os meios de conhecimento da Natureza.
Embora a informática tenha surgido no cenário científico-tecnológico, após a Segunda Grande Guerra , a informatização [1] tem seus princípios em elaboração desde a Renascença, de forma subjacente e singular ao Ocidente. Muitas iniciativas sinalizam este processo avançando a passos largos pela Modernidade. Coube, por exemplo, ao imaginário iluminista alimentar a quimera de uma linguagem universal (Eco, 1994; Rossi , 1993) e lançar os fundamentos intelectuais para a reflexão sobre os engenhos capazes de reproduzir, de algum modo, o pensar humano.
A tecnologia da informação “reflete e recolhe”, pelo retirar-se do homem enquanto seu periférico operativo, no dar-se e propor-se da informática, os outros três modos mencionados de responder e dever de sua manifestação como engenho de representação. O logos informacional-comunicacional é o novo “Discurso do Método”, e funda-se no fazer aparecer do ente , através de seu fantasma informacional-comunicacional, no dar-se e propor-se da informática.
As três causas (materialis, formalis e finalis) de responder devem ao reflexo na tecnologia, o fato e o modo em que aparecem e entram no jogo de produção que caracteriza o dar-se e propor-se da informática, cuja realidade revela, por sua vez, a realização da informatização.
Esse processo de informatização é de tal modo abrangente e profundo que é capaz de fazer prevalecer em sua esteira, um meio, um mundo circundante reduzido à realidade do engenho de representação e o que ali se reflete. Na feliz expressão do geógrafo Milton Santos (1995), um meio técnico-científico-informacional.
Neste meio emergem e proliferam de maneira dominante, outras dis-posições e dis-positivos correlatos que dão abrigo e fazem circular entre si fantasmas informacionais-comunicacionais. Estes são como cópias ou mimeses virtuais dos entes intramundanos, ou seja, representações projetadas sobre o virtual, de uma apropriação, segundo o modo informacional-comunicacional, destes entes, operados pela razão e registrados pela memória, em “dis-ponibilidade para exploração”.
Justamente por emergir desse meio humano, a tecnologia da informação, guarda em si, por mais avançada que seja sua base tecno-científica, uma dimensão humana e social. A mesma que a fez nascer, sustenta sua operação e garante sua reprodução.
A aplicação indiscriminada da informática, diante de uma participação humana cada vez mais reduzida ao operacional e periférico da técnica, dissemina uma multidão crescente de fantasmas informacionais, em fluxo contínuo , que se faz reproduzir pela teia (web) que conecta os engenhos de representação. A informatização segue sua realização a partir das formas capturadas e recodificadas da razão e da memória.
Com efeito, esses fantasmas informacionais uma vez capturados no formato digital das tecnologias da informação e da comunicação, se reproduzem segundo padrões ditados pelo próprio engenho, à medida que vão sendo metamorfoseados por suas linguagens de programação e estruturas de armazenamento de dados simbólicos.
Apreendidos assim em bases de dados, pela malha cada vez mais fina de sistemas classificatórios distintos e processos sofisticados de digitalização, estes fantasmas ganham consistência e se materializam sob a técnica da informação, perambulando soltos na névoa dos chamados sistemas de informação e na teia da Internet.
Cada vez mais circulamos em circuitos integrados de larga escala. O cilício, que hoje nos ameaça, é de silício. O desafio, que hoje nos atinge, provém de uma autocracia informacional. A informática se torna um rolo compressor. Em seu tropel a sociedade rola de alto a baixo. Tudo se processa. Por toda a parte opera um micro. Nenhuma força de tradição parece poder resistir à atropelada da computação. As novas gerações de computadores prometem interface para tudo. Aumenta sem cessar o número de periféricos. Pois o grande periférico visado é o homem que espera o inesperado. Pois neste caso nada poderá fugir a informatização. (Carneiro Leão, 1992, pág. 93)
A atual pujança dessa informatização, especialmente nos países economicamente desenvolvidos, permite afirmar que seu poder não nasce de um simples modismo contemporâneo, mas de um processo com fortes e profundas raízes na Modernidade, ou melhor, na metafísica da Modernidade. Um processo no qual a tecnologia da informação, enquanto instrumental por excelência desta Modernidade, se apresenta apenas como epicentro de algo muito maior: o olho de um furacão em movimento , que por onde passa pulveriza sob a forma digital todos os objetos ou fenômenos que encontra.
Sob essa manifestação mais visível da informática, e sob suas atualizações múltiplas em sistemas que vão desde os jogos de entretenimento até os chamados sistemas especialistas ou inteligentes, se anunciam os vetores de sua morfogênese na Modernidade; “ideias-mentoras”, em contínuo movimento de associação e de desdobramento, têm como resultado imediato, o estímulo à composição de sucessivos híbridos digitais e a reprodução do meio que os integra.
Mas o que é isso, informatizar?
Para o Pensamento, informatizar não é o verbo que designa os fatos e feitos da informática. Não nos remete apenas para o funcionamento de ferramentas e aparelhos, não se refere a dispositivos de processamento ou a instalações de computação, com todas as mudanças que acarretam. A informatização não é o resultado da expansão mundial de uma parte, de sorte que a totalidade resultante fosse o todo de uma parcialidade geral. A informatização não se reduz a transferir determinada integração de ciência e técnica, de conhecimento e ação para todas as áreas em que se distribuem os homens histórica e socialmente organizados. Informatizar é o processo metafísico de Fim da História do poder ocidental. Na informatização e por ela, o poder de organização da História do Ocidente se torna planetário. A dicotomia de teoria e prática, de mundo paciente de objetos e mundo agente dos cérebros vai sendo superada numa composição absorvente. Por ela se complementam, numa equivalência de constituição recíproca, o sujeito e o objeto, o espírito e a matéria, a informação e o conhecimento, o mundo dos cérebros e o mundo das coisas. A luta entre materialismo e idealismo se torna, então, uma brincadeira de criança . O pessimismo e o otimismo se transformam em categorias inofensivas para classificar irmãos de uma mesma família. Sendo um verbo de essência , informatizar nos precipita na avalanche de um poder histórico de realização. Por isso não indica primordialmente o processamento automático de conjunturas, mas um processo autocrático de estrutura ção, que tudo aplana, tudo controla, tudo contrai numa, composição onipotente. A terra e o mundo, a história e a natureza, o ser e o nada se reduzem a componentes de compatibilidade universal. A informatização é uma voracidade estrutural em que todas as coisas, todas as causas e todos os valores são acolhidos, são defendidos, são promovidos, mas ao mesmo tempo perdem sua liberdade e fenecem em criatividade. (Carneiro Leão, 1992, pág. 94)
A informatização é uma dessas ideias-mentoras da Modernidade que configura assim um dos principais processos que são sustentados e que, ao mesmo tempo, sustentam o meio técnico-científico-informacional. As relações homem-homem e homem-natureza encontram-se, cada vez mais, condicionadas e mediadas por tecnologias da informação e da comunicação, que, ao mesmo tempo, constituem e são constituídas pelo meio técnico-científico-informacional que abriga progressivamente a vida humana.