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Bochenski: Whitehead

terça-feira 12 de outubro de 2021, por Cardoso de Castro

  

Alfred North Whitehead   (1861-1947) passa, em geral, por ser o filósofo anglo-saxônico mais eminente de nosso tempo, e parece merecer de verdade esta consideração. Em todo caso, mostra ser um pensador original, dotado de assombrosa força espiritual. Sua carreira é inteiramente única para um filósofo. Após haver concluído os estudos em Cambridge, onde se dedicara especialmente à matemática, ensinou durante trinta anos geometria e mecânica. Em 1911, aos cinquenta anos de idade, foi nomeado leitor destas especialidades no University College de Londres; de 1914 a 1924 ensinou matemática aplicada no Imperial College da mesma cidade. Só em 1924, quando contava já sessenta e três anos de idade, foi nomeado professor de filosofia em Harvard, onde ensinou até 1937.

Podemos assinalar três períodos bem vincados, no que se refere a suas publicações científicas. A partir de 1898, foi publicando trabalhos de lógica matemática, coroados, de 1910 a 1913, pela obra monumental escrita em colaboração com Russell  : Principia Mathematica. A seguir, ocupou-se principalmente de física   e publicou vários estudos importantes sobre a filosofia da física. Em 1926, apresentou-se enfim como metafísico com a obra Science and the Modern World; três anos mais tarde, em 1929, sua obra principal, Process and Reality oferece um sistema completo.

Whitehead é um espírito de extraordinária amplitude. Matemático distinto, um dos fundadores da moderna lógica matemática, criou ao mesmo tempo uma filosofia do organismo. Embora especializado nas ciências da natureza, mostra, contudo, vivo interesse pela história e possui vastos conhecimentos históricos. Seu sistema baseado na física contém toda uma série de ideias biológicas e desemboca numa filosofia da religião. O estilo deste grande lógico relembra por vezes a linguagem dos místicos. À universalidade de seu saber, Whitehead alia a universalidade de uma inteligência aberta às mais diversas tendências espirituais e artísticas. Positivo no modo de expor os problemas, trabalhador emérito, analítico nos pormenores e dotado extraordinariamente para as visões sintéticas, representa com sua obra o arquétipo do filósofo no sentido mais nobre do termo.

Não é fácil classificar Whitehead na história do espírito. Pertence, como Russell, ao grupo dos neo-realistas ingleses, com os quais compartilha o método analítico, o realismo e a alta estima da ciência. Sua obra representa a elaboração filosófica mais completa, até ao presente, dos resultados das ciências da natureza. Ao mesmo tempo, é um platônico, file próprio nos diz que o é no sentido pleno da palavra e acrescenta que, em última instância, toda a filosofia europeia não é mais do que uma série de notas ao pé das páginas de Platão  . Mas o seu platonismo é muito particular. Segundo ele, as ideias não possuem nenhuma atualidade, visto que são meras possibilidades. Encontram-se igualmente nele numerosos vestígios de aristotelismo, que se manifesta, sobretudo, em seu franco intelectualismo, unido a um amplo empirismo. Em certos aspectos (por exemplo, em sua teoria da apreensão — prehension), Whitehead aproxima-se de Leibniz  , em outros, (substância) de Spinoza  , ao passo que sua estética, não obstante proclamar uma ascendência kantiana, marcha claramente pela via aristotélica. Whitehead defende, como Bergson  , o dinamismo e o evolucionismo, e assume, como ele, posição crítica perante o cientismo, mas chega até Deus por uma via puramente racional.

Contudo, seria inexato ver em Whitehead um eclético. Seu sistema distingue-se antes de mais nada pela unidade. Em toda parte e de maneira consequente, e não obstante com as modificações correspondentes, aplica ele suas ideias básicas originais de criação e de apreensão (prehension). Whitehead aparece assim, por um lado, como filósofo moderno, um dos pensadores mais modernos e eminentes de nosso tempo, intimamente familiarizado com a física, a matemática, a biologia e a filosofia do século XX, mas ao mesmo tempo mantém a especulação filosófica no plano intemporal em que Platão colocara esses problemas.

Nas páginas que seguem oferecemos tão-somente uma exposição muito sumária do sistema de Whitehead, baseando-nos, sobretudo, em Science and the Modern World; não podemos, infelizmente, ocupar-nos de sua obra capital, extremamente difícil.


Filosofia

Sendo todo pensamento necessariamente abstrato, nada podemos fazer sem abstrações. Mas se estas são úteis, nem por isso deixam de ser perigosas. Muitas vezes são deduzidas de uma base estreita - como, por exemplo, a ciência moderna da natureza - e conduzem a uma intolerância intelectual que exclui da realidade todos aqueles elementos que não se deixam integrar no esquema abstrato. Uma vez que se levou a cabo a abstração, tem-se a tendência para considerar seus princípios como dogmas e para tomar as abstrações como a realidade. Este sofisma de deslocação do concreto (fallacy of misplaced concretness) ameaça anquilosar e dessecar a cultura. Pelo que, a primeira tarefa do filósofo consiste na crítica das abstrações. É mister examinar as ideias assentes como princípios supremos, que os sábios aceitam sem discussão, e comparar entre si os diversos esquemas abstratos (das diferentes ciências, das ciências e da religião). Por outro lado, a filosofia constrói seu próprio sistema e, para isso, apoia-se em intuições mais concretas do que as admitidas pelas ciências. Utiliza, por exemplo, as intuições dos artistas e dos gênios religiosos, às quais acrescenta suas próprias intuições. Ela não é, portanto, uma nova ciência ao lado das outras, senão que as ultrapassa a todas. A necessidade da filosofia é óbvia, uma vez que, sem este tipo de exame racional, os homens fabricariam inconscientemente sistemas sem a vigilância da razão.

Portanto, seu método deve ser racional. Whitehead denuncia a capitulação da razão perante os fatos, que se verificou em nosso tempo, e espera que chegou já a hora de um verdadeiro racionalismo. A exigência do racionalismo baseia-se na intuição imediata da racionalidade do mundo. Não é possível mostrar esta racionalidade indutivamente nem tampouco demonstrá-la pela dedução, mas uma visão direta permite-nos ver que o mundo é regido pelas leis lógicas e por uma harmonia estética. Só a crença (belief) fundada nesta intuição pode tornar a ciência possível. Numa série de considerações verdadeiramente admiráveis, mostra Whitehead como esta convicção foi evoluindo através do drama grego e dos pensadores da Antiguidade e da Idade Média. Insiste em que esta crença não é uma fé cega: o próprio ser é racional e inteligível, e basta perceber isso para ficar convencido.

Contudo, Whitehead não é racionalista no sentido clássico e estrito da palavra. Para ele, só o contato com o concreto é fecundo, e o fundamento das coisas deve sempre ser procurado na natureza dos entes reais determinados. "Onde não há ente existente, não há fundamento". O filósofo explica o abstrato, não o concreto. Só a experiência nos pode desvendar a verdade. Ocioso seria advertir que para Whitehead, como para Husserl  , a experiência não se limita ao conhecimento sensível. Whitehead reforça ainda seu empirismo mediante a tese de que a metafísica não pode ser senão descritiva.

Põe também de sobreaviso os filósofos contra o emprego dos métodos das ciências da natureza. Não se chega à crítica das abstrações por meio de generalizações empíricas. Não seria menos insensato pretender fundar a metafísica na história, dado que toda interpretação da história pressupõe uma metafísica elaborada.

Crítica ao Materialismo

O materialismo, diz Whitehead, repousa na doutrina de que existe matéria ou, de um modo geral, de que só existe matéria. A matéria é concebida como alguma coisa que tem como propriedade a simples localização (simple location), uma simples delimitação de lugar no espaço e no tempo. Se esta teoria fosse verdadeira, o tempo seria um acidente da matéria imutável. Por conseguinte, o instante (instant) não teria duração. Contudo, é manifesto que a matéria é uma dupla abstração: não se considera o ente existente senão em função de suas relações com outros entes, e destas relações só se tomam em conta as tópico-temporais. Desde Galileu  , o esquema materialista, por uma série de razões históricas e sistemáticas, converteu-se no sistema dominante e atuou de maneira muito favorável sobre o desenvolvimento da ciência. Todavia, ele é manifestamente falso. O materialismo conduz forçosamente à negação da existência objetiva das qualidades secundárias, absurdo que está em desacordo com a experiência. Conduz também necessariamente à negação, não menos absurda, da responsabilidade humana. Finalmente destrói seu próprio fundamento, a indução, porque, se as partículas da matéria são totalmente isoladas e só ligadas mediante relações tópico-temporais, não é possível, à base do que ocorre num ente, tirar qualquer conclusão sobre o que há de ocorrer noutro ente. Hoje, o materialismo não pode mais apelar para as ciências da natureza. A teoria ondulatória da luz, a teoria do átomo (desde que foi transferida à biologia), a teoria da conservação da energia e o evolucionismo descobriram fatos que fazem estourar os quadros do materialismo. Enfim, esta filosofia superficial passou a ser totalmente impossível, graças à teoria dos quanta, que exige uma concepção orgânica da própria "matéria". Mas o argumento capital contra o materialismo é sempre um argumento filosófico: é fácil mostrar que esta doutrina consiste essencialmente em confundir a realidade com uma abstração cômoda e até fecunda. O corpo, tal como Galileu e Descartes   o concebiam, não existe, não passa de abstração. É aqui que aparece a típica fallacy of misplaced concretness.

Mecanismo Orgânico

Uma teoria verdadeira da natureza deve admitir os seguintes fatos da experiência: a mudança, a persistência (endurance), a interpenetração (interfusion), o valor, o organismo e os objetos eternos (eternal objects). Algo se modifica e algo persiste, como numa montanha. As coisas não são isoladas na natureza, mas interpenetram-se; e no mundo há também valores e organismos. Finalmente, existem objetos que não persistem, mas são eternos, por exemplo, uma cor determinada. Por exemplo, se uma montanha desaparece, ela não voltará a aparecer, e se reaparecesse, já não seria a mesma montanha. Ao invés, a cor verde é sempre a mesma cor. Acima destas categorias e abarcando-as a todas situa-se o conceito fundamental de Whitehead: o acontecimento (event). O mundo não se compõe de coisas, mas de acontecimentos, ou seja, daquilo que ocorre (happens). Um corte temporal do acontecimento, "uma gota da experiência", um ato individual da vivência imediata (self-enjoyment), é uma ocasião (occasion). Todo acontecimento é uma captação (prehension) e um organismo. É uma captação, porque apreende em si o universo inteiro, como se o conhecesse às cegas. Seu próprio passado está contido nele, o porvir anuncia-se e o mundo presente dos outros acontecimentos está representado pela ação daqueles sobre ele. O acontecimento é pois a unidade sintética do universo captado ou apreendido como uno. Por outro lado, o acontecimento é um organismo, cujas partes não estão simplesmente justapostas, mas formam um todo, no qual cada parte integrante atua sobre o todo e o todo determina as partes. Assim, por exemplo, um eléctron, se penetra num átomo, e um átomo, se entra a fazer parte de um tecido vivo, sofrem profundas transformações. Todo acontecimento é - como a mônada de Leibniz - um espelho do universo.

Este ponto de vista permite ordenar, o melhor possível, os resultados da física moderna, da biologia e das ciências do espírito, e mostrar da maneira mais clara o erro do materialismo e seu caráter extremamente abstrato. Assim, por exemplo, no materialismo o espaço é uma abstração de certas relações de interpenetração recíproca dos acontecimentos, e o tempo uma abstração de cada duração dos acontecimentos sucessivos. Neste particular, Whitehead compartilha as ideias de Bergson, mas rejeita expressamente sua atitude anti-intelectualista.

Do ponto de vista do mecanismo orgânico, o mundo aparece como agigantada comunidade, em que tudo é influenciado por tudo e na qual não existe uma só relação puramente externa.

Teoria do Conhecimento

Whitehead admite o objetivismo, enquanto pensa que o mundo contém, de verdade, atos de conhecimento, mas não só estes atos. Aduz para isso três razões: nossa experiência perceptiva mostra-nos que nos encontramos num mundo muito mais vasto do que nós - a história nos ensina a existência de um longo passado anterior à nossa própria existência - e a ação humana pressupõe uma transcendência. Todavia, com isto ainda não fica decidido de que lado está a razão: se do lado do realismo, se do lado do idealismo. Whitehead, apesar de tudo, declara-se em favor do primeiro, e valendo-se de sua teoria da captação (prehension) rejeita todas as objeções idealistas. O princípio da imanência, segundo o qual não conhecemos senão aquilo que está "em" nós, é caduco, visto que se baseia na concepção materialista do isolamento das coisas. De fato, graças à captação, todo acontecimento se ultrapassa a si mesmo. É verdade que conhecemos aqui as coisas que se encontram ali, mas nem por isso as conhecemos menos. É inteiramente natural que haja deformações no conhecimento e que sejamos influenciados por condições subjetivas, uma vez que conhecemos os outros acontecimentos na medida em que são parte de nós mesmos.

Completemos este sucinto resumo da teoria do conhecimento de Whitehead ao menos com uma referência de suas ideias sobre a indução e a causalidade. Do ponto de vista da filosofia do organismo, a indução consiste na transição de caracteres individuais a uma caracterização geral de uma comunidade de casos (occasions). A indução não é processamento racional, mas uma espécie de adivinhação. Não descobre leis imutáveis do universo, mas caracteres particulares de uma comunidade limitada no espaço e no tempo. No que se refere à causalidade, é mister salientar o fato de que possuímos um duplo conhecimento imediato, a saber, o dos dados sensíveis (sense-data), que Whitehead denomina "imediatidade apresentadora" (presentational immediacy), e o da causalidade. A doutrina tradicional não admite senão o primeiro e considera a causalidade como uma hipótese ou uma consequência. Na realidade, porém, a eficiência causal (causal efficacy) é percebida diretamente; não tem nada de superestrutura mental, mas fundamenta o conhecimento mediante a imediatidade apresentadora.

Psicologia

Uma das maiores e mais perigosas ilusões da época moderna foi a cisão (bifurcation) da natureza em matéria e espírito. A existência do espírito está certamente fora de dúvida; é evidente. Mas, do mesmo modo que a matéria, tampouco o espírito pode ser considerado como substância. Ele é apenas uma série de acontecimentos, exatamente como o corpo. A consciência é uma função. A este propósito, Whitehead cita James e seu famoso ensaio, por ele também admirado: "Does conscioussness exist?" e adota a concepção puramente funcionalista aí exposta. Contudo, não é possível, afirma ele, considerar o espirito como epifenômeno da matéria. De um modo geral, é difícil delimitar o espírito e a matéria; pode, todavia, dizer-se que todo acontecimento é bipolar e, visto do interior, consciência. O elemento espiritual parece ser insignificante nos corpos inorgânicos, mas sua presença é evidente nos animais superiores e no homem. A filosofia do organismo não pode afirmar, nem tampouco negar de antemão, a existência de caminhos puramente espirituais e que os caminhos materiais em relação com eles carecem de importância (espíritos puros). Poderia afirmar-se a sobrevivência ou até a imortalidade da alma só à base de uma experiência peculiar, por exemplo, a experiência religiosa.

Metafísica

A metafísica (que Whitehead não distingue da ontologia) consiste numa descrição da realidade, da qual devem sair os princípios gerais de toda explicação. A tese capital da doutrina de Whitehead neste domínio é a afirmação de que a compreensão do atual exige uma referência ao ideal. Da análise do dado resulta, efetivamente, que o atual ou real é um fluxo de acontecimentos, um devir eterno onde não há substâncias nem coisa alguma realmente duradoura. Whitehead professa um dinamismo radical. Mas, segundo ele, o fato de aparecer este ou aquele acontecimento requer explicação. Pelo que, é preciso aceitar a existência de numerosos fatores metafísicos, que em geral não são entes. Em primeiro lugar, deve haver objetos eternos (eternal objects), possibilidades para o que devêm; são as ideias de Platão, mas concebidas como puras potencialidades objetivas. Em segundo lugar, a análise põe a descoberto um cego impulso criador, a creativity, que parece ser, a um tempo, causa eficiente e matéria do devir. Tudo devêm graças ao impulso desta "substância" (no sentido de Spinoza) totalmente indeterminada em si. Enfim, como nem os objetos eternos nem a creativity são determinados nem podem explicar o aparecimento do concreto, é mister admitir a existência de um terceiro fator, atual e temporal, a saber, o princípio de limitação (principle of limitation), que delimita e determina o que devêm. Este princípio é Deus. O devir cumpre-se de maneira que, mercê do impulso criador da substância em colaboração com o acontecimento já existente, daí resulta uma nova captação sintética. Esta é dupla: o acontecimento criado abarca numa síntese tanto os objetos eternos (que nele entram, ingressam positiva ou negativamente) quanto os aspectos dos demais acontecimentos reais. Deus determina o que deve aparecer, quando estabelece limites e torna assim possível a determinação. O acontecimento é o indivíduo real, o superject, o atual, que é um valor. Porque toda atualidade concreta é um valor.

Deste modo, cada acontecimento constitui em si, em forma particular, uma síntese do universo, abarca todos os aspectos do mundo real, todos os objetos eternos, o impulso criador e Deus. Portanto, Deus é imanente ao mundo. Não obstante, o acontecimento é sempre algo mais do que o mundo que o precedia: possui sua individualidade peculiar e cria uma atualidade nova e um novo valor.

Teologia

Whitehead põe três exigências quanto ao método para chegar até Deus. O caminho deve ser racional, não pode consistir numa intuição, que não possuímos de Deus, nem no argumento ontológico de S. Anselmo. Tampouco é tomado em conta o argumento cosmológico de Aristóteles, que se baseia numa física superada e que, além disso, nos fala de um Deus puramente transcendente, alheio aos fins religiosos. Aceita-se a existência de Deus para poder explicar os fenômenos, porque Deus é necessário como princípio de concreção (principie of concretion), e isto sob dois aspectos: sem Ele não se poderia compreender nem o "como" nem o "que" dos acontecimentos. Se se nega a Deus, não resta outra possibilidade senão negar a existência dos sêres concretos.

A princípio (1926), Whitehead parecia acreditar não ser possível ir mais longe do que Aristóteles na determinação da natureza de Deus. Contudo, mais tarde, elaborou toda uma teoria teológica, fundando-a na distinção entre dois aspectos de Deus, a natureza primordial (primordial) e a natureza consequente (consequent). Por sua natureza primordial, Deus é imutável e intemporal, sua atualidade é infinita e completa. Deus é eterno, mas sua eternidade é uma eternidade morta. Corno tal, Deus não é mais do que um atributo da creativity, só a criação o desperta à vida. A par disso há também a natureza consequente de Deus. A ela correspondem as outras características que Whitehead atribui a Deus. Por sua natureza consequente, Deus é a apreensão (prehension) consciente e conceptual universal, é onisciente e o mundo ideal não é mais do que uma descrição dele.

Nesta visão infinita de Deus, todas as particularidades do mundo devem coordenar-se e adaptar-se umas às outras. Mas Deus, em sua natureza consequente, é limitado e encontra-se em devir, enriquece-se sem cessar, graças à captação (prehension) de novos elementos.

Deus é, ao mesmo tempo, imanente e transcendente ao mundo. É imanente enquanto está presente em cada ser; é transcendente, da mesma maneira que cada acontecimento transcende a outro. Whitehead compraz-se aqui em acumular contradições, emprega uma linguagem inteiramente diferente da linguagem da maior parte de suas obras, a linguagem da mística neoplatônica. Sem entrar nos pormenores de sua teologia, ponhamos aqui em destaque o seguinte. O mal, segundo Whitehead, é em si algo positivo, mas no mundo conduz à anarquia e à degradação. Sendo Deus o princípio da harmonia, da ordem, do valor e da paz, o mal não pode proceder dele. Donde, conclui Whitehead que Deus é bom no sentido moral e que fomenta no mundo o progresso qualitativo. Seu objetivo concretiza-se nos ideais fragmentários da situação atual do mundo. Neste sentido, Deus é a avaliação do mundo. Está em luta contra o mal, e é o companheiro de todos os que sofrem e lutam com Ele.