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Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica

Husserl (IFP:117-118) – A redução e o resíduo fenomenológico

§ 50. A orientação fenomenológica e a consciência pura como campo da fenomenologia

quarta-feira 13 de outubro de 2021, por Cardoso de Castro

      

HUSSERL  , Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica: introdução geral à fenomenologia pura. Tr. Márcio Suzuki  . Aparecida: Ideias & Letras, 2006, p. 117-118

      

Voltemos agora nossos pensamentos novamente ao primeiro capítulo, a nossas considerações sobre a redução fenomenológica. Está claro agora que de fato, em contraposição à orientação teórica natural  , cujo correlato é o mundo, uma nova orientação tem de ser possível, a qual, a despeito de colocar fora de circuito o todo   da natureza psicofísica, conserva ainda algo — o campo   inteiro da consciência absoluta. Em vez, portanto, de viver   ingenuamente na experiência e de investigar teoricamente aquilo que se experimenta, a natureza transcendente, efetuamos a “redução fenomenológica”. Noutras palavras: em vez de efetuar de modo ingênuo os atos de competência da consciência constituinte da natureza, com suas teses transcendentes, e de nos deixar determinar a sempre novas teses transcendentes pelas motivações neles contidas —, nós colocamos todas essas teses “fora de ação”, não compartilhamos delas; dirigimos nosso olhar que apreende e investiga teoricamente para a consciência pura em seu ser próprio absoluto. Isso, portanto, é o que resta como o resíduo fenomenológica que se buscava, e resta, embora tenhamos “posto” o mundo inteiro, com todas as coisas, os seres viventes, os homens, inclusive nós mesmos, “fora de circuito”. Não perdemos propriamente nada, mas ganhamos todo o ser   absoluto, o qual, corretamente entendido, abriga todas as transcendências mundanas, as “constitui” em si.

Esclareçamos isso em pormenor. Na orientação natural efetuamos pura e simplesmente todos os atos por meio dos quais o mundo está para nós aí. Vivemos ingenuamente na percepção e na experiência, nesses atos em que nos aparecem unidades de coisas, e não apenas aparecem, mas são dadas com o caráter do “disponível”, do “efetivo”. No exercício da ciência natural, efetuamos atos ordenados de pensamento   lógico-experimental, nos quais aquelas efetividades, acolhidas tais como se dão, são determinadas em conformidade com o pensamento, e nos quais também, fundados naquelas transcendências experimentadas e determinadas de modo direto, fazemos inferência sobre novas transcendências. Na orientação fenomenológica, nós impedimos, em generalidade de princípio, a efetuação de todas essas teses cogitativas, isto [118] é, nós “colocamos entre parênteses” as teses efetuadas, e “não compartilhamos dessas teses” para fazer novas investigações; em vez de nelas viver, de as efetuar, efetuamos atos de reflexão a elas direcionados, e as apreendemos como o ser absoluto que elas são. Vivemos agora inteiramente nesses atos de segundo nível, cujo dado é o campo infinito   do conhecimento absoluto — o campo fundamental da fenomenologia.


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