Em S/Z, Roland Barthes descreve uma textualidade ideal que se assemelha ao hipertexto: um texto composto de blocos de palavras (ou imagens) ligados por múltiplos caminhos, cadeias ou trilhas numa textualidade aberta, perpetuamente ilimitada descrita pelos termos link, nó, rede, web e caminho ; "neste texto ideal, as redes são múltiplas e interagem entre si, sem que qualquer delas seja capaz de superar as demais; este texto é uma galaxia de significadores, não uma estrutura de significados; não tem início; é reversível; ganha-se acesso a isto por diferentes entradas, nenhuma das quais pode ser declarada a principal, com certeza ; os códigos que mobiliza estendem-se até onde os olhos podema alcançar, são indetermináveis...; os sistemas de significação podem tomar este texto plural, mas seu número não é finito , baseado como é na infinidade da linguagem" (Barthes).
Michel Foucault concebe o texto em termos de rede e links; na Arqueologia do Saber, afirma que as fronteiras de um livro não são precisas, pois está envolto em um sistema de referências a outros livros, outros textos, outras sentenças: é um nó em uma rede... uma rede de referências.
Termo cunhado por Theodor Nelson nos anos 1960, hipertexto, refere-se a uma forma de texto digital, uma tecnologia radicalmente nova e uma modalidade de publicação. "Por hipertexto, eu quero me referir a uma escrita não sequencial - texto que se ramifica permitindo alternativas ao leitor; melor lido em uma tela interativa. Popularmente concebido como uma série de pedaços de texto conectados por links que oferecem ao leitor diferentes caminhos." (T. Nelson) Estes blocos de texto que interligados formam o hipertexto são denominados lexias, por Barthes em sua nova textualidade. Hipermídia estende o conceito de hipertexto para além dos blocos de texto, permitindo conexões entre estes e imagens, vídeos, sons, etc. Landow prefere usar apenas o termo hipertexto, com este sentido mais amplo de blocos de informação verbal e não-verbal interconectados entre si.
Um artigo acadêmico já guarda em sua forma tradicional uma certa semelhança com um hipertexto, na medida que associa ao texto principal notas com referências a outros textos, citações, ilustrações, críticas, comentários, etc. Sua leitura pode levar ao abandono do texto original em prol de um texto referenciado, eventualmente seguindo uma trilha de referências.
A experiência com um hipertexto seria como o resultado da intensificação da experiência ao ler um artigo acadêmico e suas notas. Uma intensificação proporcionada pela virtualização do texto em meio digital e a disponibilidade de uma rica interface, combinando menus, "mapas" e símbolos que facilitariam a navegação pelo texto e suas notas, expandidas se necessário para conter todo o material necessário a contextualizar a argumentação do texto; o texto estaria "tecido" em uma tecedura ampla que lhe daria toda sustentação necessária a seu melhor entendimento. A experiência de leitura do hipertexto é de outra natureza, diferente daquela da leitura do mesmo texto em papel impresso.
O hipertexto torna difuso os limites entre leitor e escritor, instanciando mais uma qualidade do texto ideal proposto por Barthes. A distinção entre textos "a ler" e textos "a ler e escrever " se assemelha a distinção entre texto impresso e texto digital, na medida que o hipertexto realiza "a meta da obra literária (da literatura como obra) que é tornar o leitor não mais um consumidor, mas um produtor de texto" (Barthes). Barthes propõe uma papel ativo do leitor, além de uma "leitura como referendum". A participação ativa do leitor não fica restrita e eventuais anotações na margem de sua leitura mas compõe com o texto digital, permitindo ainda mais uma associação com outros leitores na "recomposição" do texto original em algo mais esclarecido com notas, comentários, críticas, referências, etc.
Em um futuro próximo todos os textos individuais estarão em meio digital interligados entre si, criando metatextos e metametatextos em uma rede inimaginável neste momento.
Formas já existentes de transformação do texto em hipertexto:
- Preservação da forma linear do texto com sua ordem e fixidez, a qual se juntam várias espécies de texto, incluindo comentários, críticas, variantes, textos anteriores e posteriores cronologicamente; neste caso o texto principal, que retém a forma original, se torna uma espécie de eixo ao redor do qual se apensam textos "ligados" por termos, frases, tópicos, nomes, etc., oferecendo ao leitor uma nova experiência do texto original cercado por um contexto constituído de modo subjetivo pelo autor do hipertexto; um exemplo é o site que estuda o texto Descartes Discurso do Metodo.
- Uma segundo forma seria a adaptação de material originalmente concebido para um livro, recortado em blocos (lexias, segundo Roland Barthes) com elementos multilineares que permite leituras multisequenciais associadas com o hipertexto. Bons exemplos são os sites que organizaram a Bíblia para uma leitura deste tipo cercada de muito material crítico e de apoio;
- Uma terceira forma "desmonta" o texto original e o reconstrói sob a forma hipertextual, se apropriando de modo intensivo e extensivo de todos os recursos do hipertexto; se o texto original já dispõe de uma espécie de proto-hipertextualidade este trabalho fica de certo modo facilitado, caso contrário trata-se de um enorme trabalho de leitura crítica necessário para "desconstrução" do texto original e sua reconstrução em hipertexto; vide exemplo desenvolvido sob a orientação de Landow em [http://www.victorianweb.org/authors/tennyson/im/imov.html]
- Por último existem os trabalhos constituídos originalmente sob a forma hipertextual, que assim garante a apropriação máxima e correta da técnica desde sua concepção até sua implementação.
- Outras convergências: intertextualidade, multivocalidade e des-centralidade
Jacques Derrida também utiliza termos que apontam para a hipertextualidade, tais como: link (liaison), web (toile), rede (réseau) e tecedura (s’y tissent). Ele enfatiza a abertura textual, a intertextualidade e a irrelevância do dentro e fora de um texto particular. Derrida reconhece também que uma forma de texto mais rica e livre, se baseia em unidades discretas de leitura, onde o uso intensivo de sinais , linguísticos ou não, poderia engendrar uma infinidade de novos contextos do texto. Sua ênfase na descontinuidade aponta para o hipertexto como uma enorme montagem, o que Landow denomina metatexto e Nelson "docuverse".
- Hipertexto e Intertextualidade, representada na hipertextualidade explícita de ensaios científicos com suas extensas notas e referências, e implícita de uma obra literária, que guarda nos personagens, meio, época e intriga os enlaces intertextuais possíveis.
- Hipertexto e Multivocalidade, dada na condição dialogal, polifônica e multivocal de uma novela, como aponta Mikhail Bakhtin, dando como exemplo uma novela de Dostoievsky, onde as vozes individuais podem tomar a forma de lexias de um hipertexto.
- Hipertexto e De-centralização, na media que os leitores se desloca através de uma rede de textos, continuamente mudam de centro , portanto, de foco ou de princípio organizador, de sua investigação e experiência; o leitor agora participativo dita a organização do texto segundo seu itinerário de leitura.
O modelo não linear da rede na teoria crítica corrente
- O paradigma da rede permeia a técnica do hipertexto e a teoria crítica contemporânea. Definições de rede compartilhadas:
- documentos impressos quando transformados em hipertexto se organizam como blocos de texto, nós, ou lexias conectados por uma rede de links e caminhos; neste caso, a rede refere-se a uma espécie de documento eletrônico equivalente ao documento impresso, porém "trans-formado" pela técnica do hipertexto.
Hypertextual Derrida, Poststructuralist Nelson?
- Convergência da teoria literária e do hipertexto computacional; argumenta-se que se abandonem sistemas conceituais baseados em noções de centro, margem, hierarquia e linearidade, em prol de multilinearidade, nós, links e redes.
- Perspectivas de que a teoria da crítica literária se interesse em teorizar o hipertexto e este ofereça possibilidades de avaliação desta teoria, em especial aspectos de textualidade, narrativa e papéis do leitor e do autor de um texto.