10. Mas a ideia do progresso ilimitado, não é apenas uma adulteração do testemunho bíblico do paraíso perdido: e também uma grotesca materialização da doutrina católica da salvação . O Cristianismo instaurou uma noção do progresso toda espiritual, como de uma purificação e ascensão para o alto: tal é também a fisionomia das torres góticas que se afilam na proporção em que ascendem. Mas a ideia cristã do progresso é a de um progresso individual, pelo aperfeiçoamento interior, na ascensão vertical em que consiste o cumprimento do destino sobrenatural; o homem , o mais perfeito dos seres materiais e o menos perfeito dos seres espirituais, composto de alma e corpo, ponte de passagem entre o mundo da matéria e o universo do espírito , é dotado de superiores faculdades intelectivas, anorgânicas, que não se explicam pelo corpo e que imprimem na sua essência e destinação superior para a Suma Verdade a que tende a Inteligência e para o Sumo Bem, a que tende a Vontade. [1] Não tendo a vida humana um fim unicamente terreno e sim um fim sobrenatural, o selo do homem não é a sua politicidade como quiseram as teorias antropocêntricas, nem a sua economicidade como pretenderam as teorias materialistas e sim a sua religiosidade: o homem age para um fim último que não é terreno e o sentido legítimo do seu progresso é o da sua ascensão para o último fim. E este fim não é em essência coletivo ou social — porque a sociedade sendo meio e não fim, não é nada mais que uma unidade de ordem — e sim individual, porque só a pessoa é substância e só a pessoa tem um fim.
No entanto, a perspectiva essencialmente moral, vertical e definida que o Cristianismo formulou do progresso foi adulterada pelo mito de perfectibilidade indefinida, como logo se vê: este mito transpõe a doutrina da ascensão individual na direção do reino celeste, para o exclusivo domínio do coletivo [117] e do social, desnaturando a essência mesma da sociedade, como a desnaturou todo sociologismo, depois de haver desnaturado a essência mesma da pessoa. Desde então, o progresso deixa de ser espiritual, vertical e pessoal para se reduzir a um único progresso material, horizontal e social. A transpolação é clara porque: a noção cristã da projeção da pessoa para o alto se traduz aqui no mito da projeção da sociedade para a frente. Ora, o termo do progressismo social é um paraíso terrestre em que facilmente se trai a adulteração da doutrina cristã do reino celeste. O progressismo, longe de conseguir abolir a crença no reino celeste, nada mais faz do que desfigurá-lo, recalcando-o nas dimensões sociais, políticas e econômicas da existência terrestre.
De modo que, o mito do progresso indefinido, defraudando a dupla afirmação religiosa do paraíso perdido pelo pecado e do reino celeste havido pela redenção, procurou inutilmente fornecer um sucedâneo para instituições religiosas que teve a ilusão de destruir através do racionalismo e do naturalismo-científico.