Sócrates — Se foram bons cidadãos, é evidente que cada um deles, individualmente, deixou melhores uns tantos cidadãos, que antes eram ruins.
Cálicles — Como, de fato, deixaram.
Sócrates — Logo, quando Péricles começou a falar em público, os atenienses eram piores do que quando ele pronunciou seu último discurso.
Cálicles — Talvez.
Sócrates — Não é Talvez o termo exato, meu caro, porém Forçosamente, de acordo com a nossa conclusão, se é verdade que aquele cidadão foi bom político.
Cálicles — E daí?
Sócrates — Nada. Mas responde -me também se é em geral admitido que os atenienses, de fato, ficaram melhores graças a Péricles, ou se foi justamente o inverso: foram corrompidos por ele. Eu, pelo menos, ouço dizer que Péricles deixou os atenienses preguiçosos, pusilânimes, faladores e ávidos de dinheiro , por ter sido quem instituiu o estipêndio popular.
Cálicles — Ouviste isso, Sócrates, de algum desses indivíduos de orelhas rasgadas.
Sócrates — Uma coisa, no entanto, não ouvi, porém sei com certeza , como tu também sabes, que no começo Péricles gozava de bom nome e que os atenienses, justa mente quando eram ruins, não levantaram contra ele nenhuma queixa infamante; porém, depois que se tornaram bons graças à sua influência, já no fim da vida de Péricles, acusaram-no de peculato e por pouco não o condenaram à morte, o que se deu, evidentemente, por o terem na conta de desonesto.
Cálicles — E daí? Devemos concluir que Péricles foi ruim?
Sócrates — Pelo menos seria considerado mau o guardador de mulos, ou de bois, que recebesse animais que não dessem coices, nem chifradas, nem mordessem, e os deixasse selvagens a ponto de fazerem tudo isso. Ou não consideras mau guardador de animais, sejam estes quais forem, quem os recebe mansos e os devolve mais selvagens do que eram quando os recebeu? Que me dizes?
Cálicles — Posso concordar contigo, para ser-te agradável.
Sócrates — Então, faze -me também a gentileza de responder ao seguinte: se o homem também faz parte dos animais?
Cálicles — Como não?
Sócrates — E não foi Péricles condutor de homens?
Cálicles — Foi.
Sócrates — E então? E de acordo com o que acabamos de assentar, não deveriam estes tornar-se mais justos sob a sua direção, de injustos que eram antes, se ele os dirigia na qualidade de chefe político modelar?
Cálicles — Perfeitamente.
Sócrates — E os justos não são mansos, como diz Homero ? Que achas? Não é assim mesmo?
Cálicles — É.
Sócrates — No entanto, ele os deixou mais selvagens do que eram quando os recebeu, e isso contra ele próprio, que é o que ele menos desejava.
Cálicles — Queres que concorde contigo?
Sócrates — Se julgares que tenho razão.
Cálicles — Pois que seja.
Sócrates — Se ficaram mais selvagens, tornaram-se também injustos e piores do que eram.
Cálicles — Concordo, também.
Sócrates — Logo, de acordo com o que dissemos, Péricles não foi bom político.
Cálicles — Não; tu, pelo menos, afirmas isso.
Sócrates — E tu também, por Zeus , de acordo com o que admitiste antes. Porém voltemos a falar de Cimão. Não o votaram ao ostracismo os mesmos cidadãos de que ele cuidava, para que durante dez anos não tivessem de ouvir -lhe a voz? E com Temístocles, não fizeram a mesma coisa, com a agravante da pena de exílio? E com Milcíades, o vencedor de Maratona, não decretaram que seria precipitado no báratro, o que teria acontecido se não fosse a intervenção dos prítanes? Ora, se todos eles foram pessoas excelentes, como afirmas, não teriam sido tratados dessa maneira. Pelo menos, com os bons cocheiros não é de praxe não serem jogados no começo fora do carro, para virem a cair depois de haverem tratado dos cavalos por algum tempo e de ficarem mais hábeis em sua profissão. Isso não acontece nem na arte de conduzir carros nem em qualquer outra. Não pensas também dessa maneira?
Cálicles — Penso.
Sócrates — Sendo assim, parece que tínhamos razão em nossa argumentação anterior , de dizer que nesta cidade, pelo que sabemos, nunca houve político perfeito. Tu próprio admitiste que presentemente não há, porém houve no passado , e a esses emprestaste relevo especial. Contudo, esses mesmos se nos revelaram em tudo iguais aos do nosso tempo, de forma que no caso de terem sido bons oradores não empregaram nem a verdadeira retórica — sem o que não teriam caído — nem a aduladora.