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O MITO DO PROGRESSO

Barbuy: Progresso (9) - Paraíso Perdido

“Revista Brasileira de Filosofia”, vol. I, fasc. 3, 1951

quinta-feira 7 de outubro de 2021, por Cardoso de Castro

      

BARBUY  , Heraldo. O Problema do ser e outros ensaios. São Paulo: Convívio, 1984, p. 116.

      

9. Em quase todos os povos antigos a legendária reminiscência de um Paraíso Perdido se associou a uma inconsciente noção regressiva da história. Esta noção é implícita ao culto dos antepassados, à crença de que o fundador da cidade era um herói semi-divino, do qual se descendia, declinando. As virtudes do passado   assomavam como valores perdidos pelo presente e a tradição, em vez da revolução, adquiria um sentido social predominante. A reminiscência de um passado feliz e distante se encontra sob a forma das idades declinantes em inúmeros documentos históricos. O Código de Manu   se refere à sucessão das idades, até os tempos presentes, que são a idade do ferro — Kali-Yuga   — do sofrimento   e da miséria. Hesíodo   descreve as sucessivas idades que igualmente se encontram nas Metamorphoses de Ovídio. A referência à idade de ouro era tão constante em Atenas, que Aristófanes fez dela grosseira paródia numa de suas comédias. Platão descreve um tempo remoto, que ele imagina ter vindo logo após o dilúvio, em que não havia nem pobres, nem ricos, nem violência, nem injustiça  , nem inveja  , reinando apenas a simplicidade (Leis, livro III, 679 bc). E neste sentido mesmo se entende o dito romano: Viemos muito tarde a um mundo muito velho!

Sim, não eram jovens os que vinham depois, mas os que vinham antes. Não os tempos futuros e sim as idades passadas surgiram como épocas estelares, em que os homens falavam com Deus   e viam os anjos  , por se verem mais perto das fontes da Criação e da Sabedoria  . Os grandes espíritos da Idade Média apresentaram a miséria do homem  , desde a expulsão do paraíso, da maneira mais veemente, assinalando a persistência de uma intuição   fundamental da origem da condição humana: L’homme est un ange déchu qui se souvient des cieux, disse Pascal  . Esta intuição invertida sobre si mesma, produziu a ideia do progresso indefinido, transpondo para o futuro o paraíso terrestre perdido no passado. [116]