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Cassiano Conferencias II-12

terça-feira 29 de março de 2022

      

Cassiano   Conferencias II - SEGUNDA CONFERÊNCIA DO ABADE MOISÉS — DA DISCRIÇÃO

XII. Confissão da vergonha   que nos faria ruborizados ao revelar aos mais antigos os nossos pensamentos

A ocasião de uma funesta vergonha que nos faz esconder com empenho os nossos maus pensamentos tem por causa   principal fatos como este que viemos a saber. É o caso de certo monge   na Síria, tido como o primeiro entre os anciões. A um irmão que lhe revelava em humilde confissão os seus pensamentos, logo em seguida ele se tomou de indignação e os censurou gravemente. Daí acontece que os reprimimos em nós e ruborizamos de manifestar aos anciãos, ficando impotentes para obter seus remédios.

XIII. Resposta   sobre o dever   de calcar a vergonha e sobre o perigo da falta de compaixão.

Moisés: Assim como os jovens não são todos igualmente fervorosos ou bem formados nos melhores ensinamentos e costumes, também os anciãos não têm todos o mesmo grau de perfeição e de virtude. A riqueza   dos anciãos não está nos cabelos brancos, mas no empenho da juventude   e nos frutos dos trabalhos passados. "O que não ajuntaste na tua juventude - diz a Escritura - como o encontrarás na velhice" (Sir 25,5). "A velhice venerável não está na longa duração; o que é branco são os sentimentos do homem  ; a idade da velhice é uma vida imaculada" (Sab 4,8-9).

Assim sendo, não é a todos os velhos, só porque tenham branca a cabeça e longeva a vida, que devemos seguir os passos e acolher   as lições e os conselhos, mas sim, aqueles que soubermos que em sua juventude levaram uma vida digna de louvor e de máximo reconhecimento, e se formaram nas tradições dos maiores e não em suas próprias presunções.

São muitos ou, o que mais triste, é o maior número   que envelheceram na tibieza e no relaxamento que conceberam desde a sua adolescência e conquistaram autoridade   não pela madureza da vida, mas pelo número de anos. A eles cabe muito bem a censura do Senhor pelo profeta  : "Os estranhos devoraram a sua força, e ele não soube; está coberto de cabelos brancos, mas o ignora" (Os 7,9).

Esses, digo eu, o que os promoveu como exemplo para os mais novos não foi a probidade da vida nem o rigor   louvável e digno de imitação com quem vivem o seu propósito, mas somente a idade avançada.

O astucioso inimigo  , apresentando a sua cabeça branca como prova antecipada de autoridade para iludir os mais jovens, apressa-se, com sua capciosa habilidade  , a fazer cair e enganar, mediante os exemplos daqueles, até mesmo os que são movidos a tomar o caminho   da perfeição, por conselhos de outros ou sua própria inspiração. Numa palavra, ele os conduz, pela doutrina   e modo de vida daqueles, a uma frieza daninha ou a mortal   desespero  .

Para vos dar um exemplo, vou contar um fato real , que vos pode servir de útil instrução. Não direi, porém, o nome do autor, para não agir como aquele que publicou as faltas que o irmão lhe revelara.

A um ancião muito bem conhecido por mim  , encaminhou se, um dia, certo jovem monge, não dos menos fervorosos, em busca de progresso e de cura   a seus males. Com simplicidade, ele confessou-lhe que era atormentado pelo aguilhão da carne   e pelo espírito de fornicação. Acreditava que pela oração do ancião encontraria consolação aos seus trabalhos e remédio às suas feridas.

Mas não. O ancião passou a lançar-lhe em rosto palavras amargas, chamando-o em voz alta de miserável e indigno, e dizendo que não poderia ser chamado de monge quem se mostrava sensível a esse gênero   de vício e de concupiscência.

E tanto o feriu com suas repreensões, que, mergulhado em profundo desespero e abatido por uma tristeza   mortal, acabou deixando a cela.

Deprimido em tal aflição, já começava a cogitar não mais no remédio do seu mal, mas na satisfação da sua concupiscência.

Enquanto rolava isto em seu coração  , eis que encontra o abade Apolo  , o mais respeitável dos antigos. Ao ver o abatimento que transparecia em sua face, este percebeu o sofrimento   e a violência do combate que se desenrolava em silêncio naquele coração. Pergunta-lhe a causa de tão grande pertubação, fala-lhe com doçura, mas ele não conseguia dar a menor resposta. O ancião, sentindo mais e mais que não era sem motivo que ele queria cobrir pelo silêncio a causa de tanta tristeza, começou a perguntar-lhe com maior insistência as razões dessa dor escondida.

Apertado por tal insistência, ele, afinal, confessa tudo. Já que, segundo a opinião   daquele ancião, não pode ser monge nem é capaz de refrear os estímulos da carne e de conseguir um remédio à tentação, ele se dirige a aldeia com a intenção de casar-se e, abandonando o mosteiro, voltar ao mundo.

O ancião começa, então, a consolá-lo com brandura e carinho. Assegura-lhe que ele próprio é cada dia agitado pelo aguilhão e os ardores das mesmas tentações. Não deve ele, portanto, cair no desespero nem se admirar da violência dos ataques, que mais do que por nosso empenho são vencidos pela graça e misericórdia do Senhor. Pede-lhe, assim, tréguas de um só dia e roga-lhe que volte a sua cela, enquanto ele mesmo se encaminha a toda pressa para a cabana do referido ancião.


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