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TÚNICAS DE CEGO

Nothomb (TC:21-25) – Imortalidade

O mundo sem morte

terça-feira 29 de março de 2022, por Cardoso de Castro

      

Para a Bíblia das Origens, portanto, a imortalidade   precede a morte que o Homem  , e não Deus  , introduziu no mundo. É capital. É decisivo. Se se pensa ao contrário, em todo caso assim penso, é impossível “crer em Deus” pelo menos em um Deus “bom” como aquele do qual nos falam judeus   e cristãos.

      

O Éden deve ser confirmado? A palavra, antes de significar “delícias” em hebraico  , significava “estepe” em acadiano ou no antigo sul   da Arábia? Um certo crítico, sempre ávido por “desmitologizar”, afirma isso. O “jardim  ” plantado por Deus   para o Homem   era apenas um enclave em desolação? Uma exceção em um mundo hostil? O relato dos Seis Dias, escrito no décimo século aC, mas bem depois do relato do Jardim do Éden, responde. O mundo como Deus o criou originalmente era – e de certa forma ainda é – inteiramente bom.

Em termos perfeitamente claros e razoáveis, evitando falar do Éden e do jardim, que já havia se tornado “mítico” para os habitantes da era régia de Israel   no século X antes de nossa era, os escritores do relato dos Seis Dias confirmam, portanto, o que achamos cada vez mais difícil de acreditar, ainda que sejamos, como dizemos, “crentes”. Seis vezes, à medida que a obra de Sua Criação progride, Deus a considera “boa”. E depois da criação do Homem, que ela é “muito boa”. Além disso, todo leitor atento pode verificá-lo, mesmo em tradução: esse relato “evolucionista” não contém nenhuma negação ou expressão restritiva: nem um “não”, nem um “se”, nem [21] um “mas ”, nem um “sem”. Tudo no mundo criado por Deus é declarado positivo aí.

A palavra TWB (pronunciada “tov”) repetida seis vezes no relato significa “bom”, mas também “bonito”. A beleza caracteriza a criação divina. Isso é mesmo o que torna possível reconhecê-lo.

Máximo da utopia   para nós, a ausência de morte. Sob todas suas formas. No segundo relato da Criação (mais antigo que o primeiro relato) não é um mundo selvagem que Deus cria para o Homem. É um jardim (a estepe, a selva, a floresta virgem, isto será o exílio). Imortais de natureza, os hóspedes do jardim aí não envelhecem, aí não conhecem a vergonha   nem humilhação qualquer. Os animais   ao redor deles não são carnívoros, nem ansiosos. Nenhum sangue   aí não é versado. O alimento   para todos é vegetariano como no primeiro relato. Certo que no segundo relato   a morte é evocada. E a única que o Homem do éden deve absolutamente evitar. Evitar de suscitar. Pois sua liberdade vai até aí...

Sendo naturalmente imortal, o Homem não tem nenhuma ideia da morte. É porque Deus o põe solenemente em guarda contra ele mesmo e o adverte do perigo que corria renegando sua natureza, isto que a liberdade lhe permite fazer. Renegar sua natureza seria morrer  , e é o que significaria simbolicamente a ruptura da árvore da qual Deus lhe diz: “Se dela comes, morrerás certamente” (Gn 2,17). Logo antes dela comer, e se dela não tivesse comido, não devia morrer. E após dela ter comido ainda Deus o impede de se aproximar da Árvore da Vida, notando que seria suficiente ao Homem dela comer como de um antídoto, para “viver   para sempre” (Gn 3,22). Logo mesmo depois de ter renegado sua natureza, o Homem permanece potencialmente imortal. Sobre esta simbólica existencial veja Árvores do Paraíso e Jardim do Éden.

Os meios que continuam tradicionalmente a se valer da Bíblia, aí compreendido a “Bíblia das Origens”, contestam mais e mais esta “natureza” imortal. Para os católicos a opinião   prevalece que criando a mais completa de suas criaturas, Deus não a dotou de imortalidade mas de uma “alma  ” imortal ou de uma “vocação à imortalidade” que ela não soube realizar e cuja realização  , com efeito, é remetida “ao final dos tempos”. Protestantes, entre os mais “ortodoxos”, não hesitam a professar que o Homem foi criado mortal, e que seus descendentes que somos não podem, assim como Adão  , esperar saborear um dia a “vida eterna” a não ser   pela graça, depois da “ressurreição dos mortos”. O judaísmo em seu conjunto  , mais sóbrio nesta matéria remete também a resposta   ao “mundo a vir”. Em todos como em semântica, a morte prece   necessariamente a improvável imortalidade.

Sem dúvida é o ponto de vista do “bom senso  ”. E deve-se dizer que a deplorável tradução da “Bíblia das Origens” em vigor desde a Septuaginta   parece lhe dar razão. A começar pelo famoso “Crescei e Multiplicai-vos”, que não se trata em absoluto no relato dos seis dias de um apelo à reprodução humana implicando a morte. Mas há sobretudo nesta adesão geral ao “bom senso” dos “crentes do impossível” que são teoricamente os cristão e os judeus  , um terrível desconhecimento disto que é existencialmente a morte na “Bíblia das Origens” como para cada indivíduo  . Não é um termo, mas um estado  . Não é um fim da vida consciente (pois a vida inconsciente ignora a morte) mas sua assombração sem fim. Quando ele “come da árvore” apesar do aviso divino anunciando que se comesse morreria, o Homem “morre” efetivamente, quer dizer se torna mortal. Se ele “vive” em seguida ainda muito tempo, é em sursis e disto sabendo. Não é mais a mesma vida. Antes era a verdadeira Vida, sem usura  , sem morte. Doravante é a “vida-para-a-morte”.

Segundo a terceira história da Criação, que é a nota biográfica de Adão (Gn 5,1-5), ​​o Homem (H’DM) não tem cronologia até a “Queda”. Ele está sempre no “dia” de sua Criação. Tendo se tornado mortal, ele “vive” 130 anos até o nascimento de Seth  . Depois, mais 800 anos. Um total de 930 anos como Adam (’DM) durante os quais ele vive para morrer.

Para a Bíblia das Origens, portanto, a imortalidade precede a morte que o Homem, e não Deus, introduziu no mundo. É capital. É decisivo. Se se pensa ao contrário, em todo caso assim penso, é impossível “crer em Deus” pelo menos em um Deus “bom” como aquele do qual nos falam judeus e cristãos. Como! Mesmo em vistas de uma imortalidade-recompensa   no futuro, o “bom Deus” teria condenado deliberadamente sua única criatura plenamente consciente a morrer quer dizer a “viver” anos (Adão 930 anos!) na perspectiva da morte, da degradação física e mental  , do envelhecimento, do sofrimento   que implica o processo biológico lúcido! Seria totalmente monstruoso e o autor de semelhante crueldade gratuita mereceria a execração ao invés de louvores, orações e suplicações das religiões judia e cristãs. Além do mais que estas lhe prestam uma pré-ciência absoluta de todas as atrocidades que vão cometer no curso das eras os homens que diz ter criado livres, o que os impede disto se abster posto que ele não pode se enganar! Este teocrata infalível, pior   que o destino cego  , eu recuso.

Mas a “Bíblia das Origens” também o recusa. Se pelo menos sabe-se lê-la de outro modo que ensina a tradição de aceitação, vide de glorificação da “condição humana” que se exprime já na moral da retribuição e do castigo   divino recheado de promessas para uma “boa conduta”, da Bíblia histórica e profética. E que a tradução de nossas bíblias faz remontar à Criação ela mesma.


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