Qualquer que seja o destino póstumo da alma humana, ela atravessa, depois de ter deixado seu corpo de carne , — como antes de sua vinda ao mundo, — o degrau cósmico correspondendo ao Paraíso terrestre. Ela passa por este degrau sendo aí revestida de seu Corpo Edênico e aí permanecendo durante uma duração supratemporal mais ou menos estendida, e não fosse senão um “instante ”, como aquele do juízo quando da ressurreição dos mortos. Se a alma não sofre então a sorte dos culpáveis, que é aquele de ser “expulsa do paraíso” e, portanto, de ser despojada do Corpo Glorioso, ela guarda este corpo para estagiar no Éden terrestre até o momento em que é chamada a subir ao Paraíso celeste. “Uma tradição nos ensina, diz o Zohar , que quatro “Pilares” (nome de uma categoria de Anjos ) se apresentam (neste caso) à alma tendo em suas mãos um envelope (etéreo ) semelhante a um corpo; ela disto se reveste com alegria e permanece na esfera que lhe foi reservada no Jardim do Éden aqui em baixo, e isto pela duração que lhe foi designada”, até o momento em que é chamada a subir mais e mais alto, através do Paraíso, como se depreende da sequência deste texto cabalístico. Então, o Corpo Edênico ou Etéreo da alma se transforma em vestimenta celeste ou sutil , que a veicula em sua ascensão através do Paraíso do alto; e esta ascensão pode segundo o grau de espiritualização da alma, alcançar em sua saída fora do cosmo, à transformação de seu corpo celeste em “Materia Prima” e à reintegração de sua essência espiritual na Essência Divina. É o processo inverso da descida da alma neste mundo, a respeito do qual o Zohar diz: “Antes de descer (de Deus ) neste mundo, as almas entram no Jardim (do Paraíso celeste, depois naquele do Paraíso terrestre), elas recebem sete bençãos e são exortadas a servir (neste baixo mundo) de pais aos corpos (quer dizer de guiar estes e de os manter no reto caminho ); com efeito, quando a imagem (ou a forma) celeste (da alma humana, que é “deiforme”) está no ponto de descer neste mundo, o Santo, bendito seja, a conjura a observar os mandamentos da Lei e de fazer Sua Vontade...”
Ora, voltando ao estado primordial do homem , aquele do Paraíso terrestre, ele corresponde, acabamos de ver, em um grau existencial que se interpõe, no itinerário tanto pré-terrestre quanto póstumo da alma humana, como uma “estação” ou um intermundo entre o céu e nossa terra , intermundo que ela deve atravessar inevitavelmente. Vimos igualmente que o ser humano se reveste da substância respectiva dos mundos que percorre, entre outras, por conseguinte, da substância edênica e etérea, que é a intermediária entre a substância celeste, sutil e “fluida” da alma e da matéria grosseira, opaca ou “sólida” do corpo terrestre. Esta intermediária é o princípio substancial mesmo do corpo carnal, sua quintessência incorruptível comportando, ao estado perfeitamente homogêneo, as essências dos quatro elementos sensoriais que o compõem e nos quais ele se decompõe no momento da morte. Se o corpo terrestre é corruptível, seu protótipo paradisíaco e interior é portanto imperecível, e não basta, falando estritamente, para definir a constituição do ser humano, de distinguir simplesmente entre “corpo”, “alma” e “espírito”, — pelo menos assim é para o homem atual se situando no estado de queda —; convém discernir mais precisamente entre o “corpo grosseiro” ou caído e o “corpo etéreo”, prototípico e paradisíaco, que é necessariamente inerente ao primeiro, não somente enquanto sua quintessência inalterável, na qual seus elementos acabam por se reabsorver para reencontrar sua perfeição primordial, mas também enquanto mediador permanente entre ele — este corpo de matéria opaca e obscura — e a alma, cuja substância é sutil e celeste e cuja natureza é essencialmente espiritual. Mas há uma diferença fundamental entre a existência embrionária-passiva e o estado atualizado do corpo interior, que retoma “forma” e força eficiente na medida de sua realização espiritual pelo homem. Este corpo “cristalino”, ao mesmo tempo “coagulado” e “translucido”, prefigura por sua deiformidade e sua estabilidade o corpo carnal ao qual transmite a luz do alto mas que, face à pureza e à perfeição de seu protótipo, que permanece na sombra. Por vezes, no entanto, esta transmissão da luz espiritual é tão forte em certos homens de Deus que seu corpo carnal é transfigurado. Seu corpo interior se encontra então como exteriorizado, e sua perfeição transparece através de seu envelope mortal à ponto que a luz espiritual dela se irradia e se torna visível a outro, assim como a Bíblia relata para Moisés descendo da montanha do Sinai, dotado das Tábuas da Lei: “... a pele de sua face tinha se tornado brilhante enquanto falava com YHWH . Arão e todos os filhos de Israel viram Moisés, e eis, a pele de sua face brilhava” (Ex XXXIV, 29,33). Do mesmo modo, Jesus tendo conduzido os apóstolos Pedro , Tiago Maior e João sobre o monte Tabor, “foi transfigurado diante deles; sua face brilha como o sol , e suas vestes se tornaram brancas como a luz” (Mt XVII 1,2).