31. Quando através da prática das virtudes alcançamos um conhecimento espiritual das coisas criadas teremos alcançado o primeiro estágio no caminho da deificação. Alcançamos o segundo estágio quando — iniciados através da contemplação das essências espirituais das coisas criadas — percebemos os mistérios ocultos de Deus . Alcançamos o terceiro estágio quando somos unidos e inter-fusionados com a luz primordial. É então que alcançamos a meta de toda atividade contemplativa e ascética.
32. Por meio destes três estágios todos os intelectos são levados, de uma maneira que está de acordo com sua própria natureza, à unidade com eles mesmo e com Ele que verdadeiramente é. Eles podem então iluminar seus intelectos-companheiros, os iniciando nas realidades divinas, através da sabedoria celestial os aperfeiçoando como espíritos já purificados, e os unindo com eles mesmos e com o Uno .
33. A deificação nesta vida presente é o rito verdadeiramente sagrado e espiritual no qual o Logos de sabedoria inefável faz dEle mesmo uma oferta sagrada e dá a Si mesmo , tanto quanto possível, àqueles que se prepararam a si mesmos. Deus, como compete Sua bondade, concedeu esta deificação sobre os seres dotados com inteligência de modo que possam alcançar a união de fé. Aqueles que como um resultado de sua pureza e seu conhecimento das coisas divinas participam nesta dignidade são assimilados a Deus, «conformados à imagem de seu Filho » (Rom 8,29) através de sua concentração espiritual e exaltada sobre o divino . Assim se tornam como deuses para outros homens na terra . Estes outros por sua vez, aperfeiçoados em virtude pela purificação através de sua inteligência divina e através de sua interação com Deus, participam de acordo com sua proficiência e o grau de sua puruficação na mesma deificação como seus irmãos e comungam com eles no Deus da unidade. Neste caminho todos eles, reunidos na união do amor, estão incessantemente unidos com o Deus uno; e Deus, a fonte de todos os trabalhos santos e totalmente livres de qualquer acusação por causa de Seu trabalho da criação, e permanece no meio de deuses (cf. Sal. 82,1, LXX ), Deus por natureza entre deuses por adoção.
34. Não podes ser assimilado a Deus e participar em Suas bençãos inefáveis — na medida que isto é possível — a menos que te desprendas da loucura que se interpõe e a desfiguração do pecado , através de lágrimas fervorosas e através da prática dos mandamentos sagrados de Cristo . Se queres espiritualmente saborear a doçura e o deleite das coisas espirituais deves renunciar de toda a mundana experiência dos sentidos, e em tua aspiração pelas bençãos armazenada para os santos deve devotar a ti mesmo à contemplação da realidade interior dos seres criados.
35. Assimilação a Deus, conferida sobre nós através da intensa purificação e o profundo amor a Deus, pode ser mantida somente através de uma aspiração incessante para Ele da parte do intelecto contemplativo , Tal aspiração nasce dentro da alma através da persistente quietude produzida pela aquisição das virtudes, pela oração espiritual sem distração e incessante, pelo total autocontrole , e pela leitura intensiva das Escrituras .
36. Devemos nos esforçar não somente para levar os poderes da alma a um estado de paz , mas também para adquirir um anseio pela serenidade espiritual. Pois através da pacificação de nossos pensamentos toda aspiração pelo que é bom é fortalecida, enquanto o orvalho divino enviado pelo céu cura e revivifica o coração ferido pelo fogo celestial aceso pelo Espírito.
37. Uma vez que uma alma profundamente ferida pelo divino anseio experimentou o bálsamo dos dons noéticos de Deus, não pode permanecer estática ou fixada em si mesma, mas aspirará elevar-se cada vez mais alto em direção ao céu. O mais alto que eleva-se através do Espírito e o mais longe que penetra nas profundezas de Deus, mais é consumida pelo fogo do desejo; e explora em toda sua imensidade os mistérios ainda mais profundos de Deus, ansiosa em alcançar a luz bendita onde todo intelecto é arrebatado de si mesmo e onde — sua meta alcançada — repousa em alegrias do coração.
38. Quando vens a participar no Espírito Santo e reconheces Sua presença através de uma certa energia inefável e uma fragrância dentro de ti mesmo — esta fragrância mesmo espalhando-se sobre a superfície de teu corpo — não pode mais estar contente em permanecer dentro dos limites do mundo criado. Ao contrário, tendo experimentado a nobre conversão trabalhada pela «mão direita do Altíssimo» (Sal 77,10, LXX), esqueces alimento e sono, transcendes as necessidades corporais, ignoras o repouso físico e, depois de gastar o dia todo em tormenta ascética, ainda estás inconsciente do estresse ou dureza, da fome, sede, sono, ou de qualquer outra necessidade física. Pois com alegria inexpressável o amor de Deus é derramado invisivelmente em seu coração (cf. Rom 5,5). Envolta a totalidade da noite em uma iluminação de fogo, completas o trabalho espiritual através do corpo e festejas sobre os frutos imortais do paraíso noético. Foi neste paraíso que São Paulo , também, foi pego quando ouviu as palavras inexpressáveis que a ninguém é permitido ouvir (cf. 2Co 12,4) se ainda apegado ao mundo dos sentidos das coisas visíveis.
39. Uma vez o corpo tenha sido queimado na fornalha da prática ascética e temperado pelas águas das lágrimas, não mais é atormentado por durezas, pois está agora isento dos trabalhos exteriores e aparta-se da grande tortura que demandam. Imerso no silêncio e serenidade da paz interior, se torna cheio de uma novo poder, um novo vigor, uma nova força espiritual. Quando a alma trabalha de mãos dadas com tal corpo — este, quer dizer, cujo estado transcende a necessidade de disciplina corporal — ele muda seus trabalhos físicos em luta espiritual. Prontamente começa a desempenhar trabalho espiritual, e guarda em si mesmo os frutos imortais do paraíso noético, onde os rios da intelecção semelhante a Deus tem sua fonte, e onde eleva-se a árvore do conhecimento divino (cf. Gen 2,9), suportando os frutos do conhecimento, alegria, paz, generosidade, bondade e amor inefável (cf. Gal 5,22). Trabalhando assiduamente desta maneira e guardando o que é colhido, a alma sai do corpo e entra na escuridão da teologia mística. Deixa tudo para trás, não se mantendo por nada pertencente ao mundo visível; e unida com Deus, cessa tormenta e dor .
40. Aqueles engajados na luta espiritual confrontam a questão do que em nós é o mais nobre: o visível ou o inteligível? Se é o visível, nada mais há em nós a ser preferido ou desejado do que o que é corruptível, nem é a alma mais nobre do que o corpo. Se é o inteligível então devemos reconhecer que «Deus é espírito, e aqueles que O adoram devem adorá-lO em espírito e em verdade» (Jo 4,24). Assim uma vez a alma esteja firmemente estabelecida no trabalho espiritual, liberada do pesadume do corpo e tornada inteiramente espiritual através da união com o que é superior a ela, então a disciplina corporal é supérflua.