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Evangelho de Felipe

Alcalá (EF:40-42) – A Gnosis de Valentino

III. As linhas doutrinais da “gnosis - Gnosis” Valentiniana.

terça-feira 29 de março de 2022, por Cardoso de Castro

      

El Evangelio copto de Felipe, Alcalá, Manuel, Ediciones El Almendro de Córdoba, S.L., colección en torno al Nuevo Testamento n.14, Córdoba: Espanha, 1992, 204 p. ISBN: 8480050004, ISBN-13: 9788480050005.

Tradução de Antonio Carneiro das páginas 40, 41 e 42

Capítulo Segundo “Gnosis  ” e Evangelho de Felipe

      

Para melhor compreensão do comentário ao “Evangelho de Felipe” vamos descrever brevemente a linha doutrinal valentiniana, relativa à criação e redenção do mundo e da humanidade.

Valentino   concebe o mistério de Deus   como “Abismo  ” misterioso, mas também como “Plenitude  ” original de onde emanam “Potências” hierarquizadas e reunidas em “Pares” masculino  -femininas. Seu processo emanativo é como segue:

1. Deus “Pai  ” transcendente é par da “Ideia”. Seu “Filho” único está ligado à “Verdade”. Eles formam a “Quaterna” inicial. A segunda “Quaterna” consta da “Palavra” do Pai, unida à “Vida” , junto com a potência do “Homem  ” com a “Igreja  ” . Ambas quaternas formam a “Octava” , donde pululam 30 “Emanações” ou “Eones” divinos, reunidos em 15 pares. tudo isso é a “Plenitude” cujo “Limite” externo se chama “cruz”.

2. O “Eão” 30 que é a “Sabedoria  ” interior, ao desejar compreender à Deus infinito   comete uma “falha” original, introduz o mal na “Plenitude” , é excluído e se dilui em “Saberes” dispersos.

3. Para remediar tal situação, o Pai, cujo par feminino é o “Espírito Santo”, produz o Cristo  . O novo “Logos  ” devolve o equilíbrio da “Plenitude” , ao ensinar  -lhe a “Gnosis  ” e criar uma “Sabedoria exterior” substancial, capaz de harmonizar com os “Eones”, desconcertados até então.

4. “Cristo” é o “Salvador  ”, fruto   comum da “Plenitude” com o “Espírito” , acumula todos os seus nomes: Logos, Vida, Filho Unigênito  , Homem, Filho do Homem  , Igreja, Luz, Jesus invisível.

5. Este Salvador, também chamado de “Jesus de acima” ou “invisível” , origina pelo conhecimento à verdadeira “Sabedoria redentora” , também chamada “Espírito Santo” , que dará origem à três tipos de substância. A primeira é a “Espiritual” (pneumática). A segunda “Anímica” (psíquica). Finalmente a terceira “Material” (hílica [1]), incapaz de redenção. Protótipo de substância química é o “Demiurgo  ” , Deus do Antigo Testamento  , criador do mundo e de seres sinistros [2] (materiais) e destros [3] (psíquicos). Protótipos de substâncias pneumáticas são os “Eleitos” , encarnados em reis, profetas e sacerdotes  . São imagens dos gnósticos, antecipadas no Antigo Testamento.

6. O “Demiurgo” , após fabricar o mundo, modelou o homem “Adão  ” , de barro fluido, lhe infundiu a “Alma  ” , sopro da vida, e lhe revestiu de túnica de pele. A “Sabedoria” , contemplando os anjos  , engendrou um “Espírito” e o depositou no “Demiurgo” inconsciente. este o infundiu nos “Eleitos” . Por isso a humanidade consta de três tipos de pessoas: materiais, simbolizadas por Caim  ; anímicos, exemplificados por Abel; e espirituais, cujo protótipo é Seth  . Os primeiros não tem salvação. Os segundos podem lográ-la pela sua boa conduta. Os terceiros são os predestinados.

7. O Salvador Jesus invisível, desce ao mundo como um “Espiritual” . Sua Igreja autêntica é o conjunto   de “Eleitos” . Por isso se chama “Corpo de Cristo Espiritual” , integrado por espirituais.

8. Jesus invisível baixou no Jordão sobre o “Jesus visível” outorgando-lhe o “Logos” pneumático e fazendo-lhe consciência de sua missão e divindade. Maria, sua mãe, lhe havia dado o corpo passível.

9. Ao completar-se o número   previsto de eleitos, virá a “Consumação” final. O Salvador e a Mãe, simbolizados pela “Esposa” e o “Esposo” citados no Evangelho, subir  ão à “Plenitude” em “Pares de Anjos” (varões) e “Gnósticos” (fêmeas). A alma é o vestido nupcial para entrar no “Repouso” e na Glória  . Os “psíquicos” convertidos se salvarão, mas só às portas do céu, no interior da “Plenitude” [4].

Desta síntese apertada pode-se deduzir uma cosmovisão formidável, cheia de criatividade imaginativa e impregnada de inspiração, tanto filosófica (platônica e plotina) como bíblica (vetero e neo-testamentárias). Tal visão do mundo tinha que ser sumamente atrativa para os intelectuais cristãos da época, quando começava-se a perfilar o diálogo   da fé com a cultura de então, tanto em Constantinopla quanto Alexandria, e buscavam-se os modos   de expressão do pensamento   contemporâneo. No Comentário se verá as pegadas desta cosmovisão.


Notas:

Ver online : BIBLIOTECA DE NAG HAMMADI


[1NT: pertencente à matéria; corpóreo, material. ETIM. gr. hylikos, ê, ón ‘material, corporal; carnal, donde impuro’. (In.: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia, Objetiva: Rio de Janeiro, 2001, 1a. edição, 2922 p. vide página 1532)

[2NT: Em espanhol está “siniestros” cujo tradução seria esquerdos cujo sentido no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia, Objetiva: Rio de Janeiro, 2001, 1a. edição, 2922 p. na página 1240 são os seguintes: 1. relativo ao lado esquerda; sinistro, sestro. Na página 2580 a palavra sinistro tem as seguintes definições: 1. que usa preferencialmente a mão esquerda (diz-se de pessoa); esquerdo, canhoto. 2. pressagia acontecimentos infaustos; agourento, funesto 3. que é pernicioso, mau 4. que se deve temer; assustador, temível 5. que causa o mau; pernicioso, perigoso 6. trágico, calamitoso. Portanto o termo sinistro é o que melhor se adequa para o texto em questão excetuando a definição 1. Traduzir como esquerdo ou canhoto seria impróprio e só traria confusão.

[3NT: Em espanhol está “diestros” cujo tradução seria “destros” cujo sentido no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia, Objetiva: Rio de Janeiro, 2001, 1a. edição, 2922 p. na página 1019 são os seguintes: 1. que usa preferencialmente a mão direita (diz-se de pessoa); direito, manidestro. 2. que está à direita 3. p. metf. dotado de habilidade, perito 4. p.ext. dotado de desembaraço, rápido, expedito 5. fig. dotado de sagacidade, astuto, ladino. Se fosse traduzido como “direitos” a primeira definição é: que segue a lei e os bons costumes; justo, correto, honesto. As demais seguem essa linha: de conduta impecável, irrepreensível; sem erros; certo... Seria exagero usar “direitos” pois induziria à um excesso de carga não condizente com a proposta da definição pelo autor que usou “siniestros” e “diestros”.

[4F.M.Sagnard, “La gnose valentinienne et le témoignage de S. Irenée” , Paris, 1947. Id. “Clément d’Alexandrie: Extraits de Théodote”, Paris, 1948.