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TÚNICAS DE CEGO

Nothomb (TC:11-13) – Túnicas de Cego

Prólogo

terça-feira 29 de março de 2022, por Cardoso de Castro

      

Paul Nothomb  , como em seus trabalhos anteriores sobre o que denominou a Bíblia das Origens, ou seja, os nove primeiros capítulos do Gênesis, nos convida a uma outra leitura do início da Bíblia a partir do texto hebreu   original. Sua abordagem séria e cuidadosa sobre as possibilidades de interpretação do texto hebreu, abala nossas concepções tradicionais, ao mesmo tempo que nos oferece uma nova visão e perspectiva sobre Deus  , Mundo e Homem  . Neste livro em especial faz uma exegese   do capítulo 3 do Gênesis.

      

Lê-se em nossas bíblias que Adão e Eva ao serem expulsos do jardim   do Éden, são vestidos por Deus   de “túnicas de pele” (Gen 3,21).

Bizarro, afirma Nothomb  . Todavia este detalhe passa frequentemente desapercebido no contexto particularmente dramáticos de um relato que se tornou quase incompreensível para maior parte de nossos contemporâneos. Que significa este gesto, um pouco ridículo, de aparente benevolência dispensada pelo Criador para com os reprovados que acabam de condenar por sua falta a humanidade inteira à perdição?

Os infelizes já providenciaram alguma coisa para esconder sua nudez  . Se devem ser ajudados não têm necessidade   de nada mais urgente como viático para afrontar o exílio do que “túnicas de peles”?

A questão não interessa mais, certamente, a nossa época, que aos amadores de velhas lendas, os especialistas de mitologia comparada e alguns espíritos curiosos que se obstinam a associar um valor   permanente ou atual a esta história anacrônica, que faz parte de nossa cultura.

A estes últimos — que Nothomb considera semelhantes e irmãos — Nothomb assinala que a palavra que nossas bíblias neste caso traduzem por “pele”, elas o fazem muito diferentemente em outros lugares: Assim em uma diatribe do profeta   Isaías contra as pessoas piedosas: «Quem é cego   senão meu servidor, quem é cego como o amigo de Deus, cego como o servidor do Eterno?» (Is 42,19). Esta palavra que aí aparece três vezes, se traduz sempre por “cego”.

Sim, segundo Nothomb, trata-se exatamente da mesma palavra em Isaías que no Gênesis é traduzida por “pele”. Uma palavra de três consoantes (ayin, waw, resh) que se pode transcrever “wr” como se constatará verificando uma Bíblia hebraica sem vocalização.

Quanto à outra palavra da expressão, “túnica”, em hebreu   “ktnt”, é um acidente se designa quase tecnicamente nos resto da Bíblia, a vestimenta   sacerdotal? A vestimenta destes cegos típicos que fustiga Isaías.

Nothomb resgatando o contexto, se dá conta que faz mais sentido “cego” que “pele” na expressão, pois um pouco antes no relato a serpente   vinha garantir ao casal humano que se seguissem seus conselhos “seus olhos abririam”. O que se produz é o inverso; seus olhos se com efeito, segundo o texto sem ver mas não sem saber. «Eles souberam» é afirmado. Eles souberam que não estavam mais em seu estado   natural  , que não viam mais, que não viviam mais na Realidade edênica de sua origem.

E um pouco mais adiante, Deus exprime o medo que o homem   caído “estenda a mão” em direção à Árvore da Vida, tateando como um cego...

Sem esquecer os querubins com o corpo constelado de olhos e o brilho da espada   flamejante no oriente do jardim...

Aí onde nossas bíblias falam de “túnicas de peles” Nothomb propõe que se leia como no hebreu e no contexto do relato, “túnicas de cego”. Não entendido como túnicas que tornam cegos mas que protegem até certo ponto aqueles que se se tornaram cegos. Assim com Deus mais adiante porá um signo   sobre Caim   após o assassinato de Abel: um signo de prote  ção que é também, um manifesto   para a posteridade, um aviso a refletir   para os leitores destes relatos.

Adão e Eva, de quem descendemos, vão “sobreviver” em exílio, e nós, como eles. De geração em geração, de nascimento ao cemitério. E sempre tateando, na realidade crepuscular da “condição humana”. Enquanto não tenhamos encontrado a Realidade de nossa origem, é preciso, sem dúvida, que se saiba disto. Eis porque, parece a Nothomb, que o relato do jardim do Éden, tão rico em alegorias existenciais capitais, afirma, se quisermos escutá-lo até o final, que antes de deixar nossos primeiros pais  , que Ele respeita a liberdade, seguir o caminho   da morte que escolheram para eles, « Deus os vestiu de túnicas de cego ». Sua caída nada mais será que uma cegueira. Uma perda catastrófica da visão da verdadeira Realidade.


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