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Schopenhauer (MVR2:313-314) – corpo = objetivação da vontade

terça-feira 14 de setembro de 2021, por Cardoso de Castro

  

Acima reconhecemos o sistema nervoso cerebral como um ÓRGÃO AUXILIAR da vontade, no qual esta, por conseguinte, objetiva-se SECUNDARIAMENTE. Aqui, o sistema cerebral, embora não intervindo diretamente no âmbito das funções vitais do organismo, mas só guiando as suas relações com o exterior, tem todavia no organismo a sua base e é alimentado por ele como pagamento dos seus serviços; logo, assim como a vida cerebral ou animal deve ser vista como produto da vida orgânica, também o cérebro e sua função, o conhecer, logo, o intelecto, pertencem mediata e secundariamente à aparência da VONTADE [Erscheinung des Willens = aparição da vontade]: também nele a vontade objetiva-se e, é verdade, como vontade de percepção do mundo exterior, logo, como um QUERER-CONHECER. Por consequência, por maior e fundamental que seja a diferença entre o querer e o conhecer; o último substrato dos dois permanece no entanto o mesmo, a saber, a VONTADE como a essência em si de toda a aparência; o conhecer, entretanto, o intelecto, que se expõe na consciência de si inteiramente como secundário, deve ser visto não apenas como acidente da vontade, mas também como sua obra, e assim há de novamente reconduzir a ela através de um desvio. Assim como o intelecto apresenta-se fisiologicamente como a função de um órgão do corpo; metafisicamente deve ser visto como uma obra da vontade, cuja objetivação, ou visibilidade, é o corpo todo. Logo, a vontade de CONHECER, objetivamente intuída, é o cérebro; assim como a vontade de ANDAR, objetivamente intuída, é o pé; a vontade de AGARRAR, a mão; a vontade de DIGERIR, o estômago; de PROCRIAR, os genitais, e assim por diante. Toda essa objetivação existe em última instância só para o cérebro, como sua intuição: nesta, a vontade expõe-se como corpo orgânico. Mas, [II 294] na medida em que o cérebro CONHECE, não é ELE MESMO conhecido; porém, é o QUE CONHECE, o sujeito de todo conhecimento. Porém, na medida em que o cérebro SE TORNA CONHECIDO na intuição objetiva, isto é, na consciência de OUTRAS COISAS, logo, secundariamente, pertence ele, como órgão do corpo, à objetivação da vontade. Pois todo o processo é o CONHECIMENTO DE SI DA VONTADE, começa a partir desta e retorna a ela, e constitui aquilo que Kant   denominou aparência, em oposição à coisa em si. Conseguintemente, o que SE TORNA CONHECIDO, o que SE TORNA REPRESENTAÇÃO, é a VONTADE: e essa representação é o que denominamos CORPO, o qual existe como algo extenso espacialmente e que se [313] movimenta no tempo por intermédio unicamente das funções do cérebro, logo, apenas neste. Por outro lado, o que CONHECE, o que POSSUI AQUELA REPRESENTAÇÃO, é o CÉREBRO, que entretanto não conhece a si mesmo, porém torna-se consciente de si mesmo apenas como intelecto, isto é, como algo QUE CONHECE, logo, apenas subjetivamente. O que, quando visto de dentro, é faculdade de conhecimento, é, quando visto de fora, o cérebro. Esse cérebro é uma parte justamente daquele corpo, porque o cérebro mesmo pertence à objetivação da VONTADE, ou seja, o QUERER-CONHECER desta, a sua orientação para o mundo exterior está nele objetivada. Nesse sentido, o cérebro, portanto, o intelecto, é imediatamente condicionado pelo corpo, e este por sua vez pelo cérebro, — contudo, o corpo é condicionado pelo cérebro apenas mediatamente, a saber, como algo espacial e corpóreo, no mundo da intuição, não em si mesmo, isto é, como vontade. Portanto, o todo é em última instância a vontade, que se torna representação para si mesma, e é aquela unidade que expressamos por “eu”. O cérebro mesmo, na medida em que É REPRESENTADO, — logo, na consciência de outras coisas, portanto, secundariamente, — é apenas representação. Em si mesmo no entanto e na medida em que REPRESENTA, ele é a vontade, porque esta é o substrato real de toda a aparência: o querer-conhecer da vontade objetiva-se como cérebro e funções cerebrais. — Podemos ver a pilha voltaica como parábola, imperfeita é verdade, todavia em certa mediada ilustrativa, do ser da aparência humana tal como este foi aqui considerado: os metais, junto com o fluido, seriam o corpo; a ação química, como base de todo o fazer-efeito, seria a vontade, e a tensão elétrica daí resultante, que produz [II 295] descarga e faísca, o intelecto. Contudo, omne simile claudicat. [1]


Ver online : O mundo como vontade e como representação. Segundo Tomo.


[1“Toda comparação coxeia.” (N. T.)