Para confirmar e enriquecer a descrição tradicional da Iluminação proporcionada pelas imagens do Pastoreio do Boi , voltamo-nos para uma mulher japonesa contemporânea que cruzou os níveis superiores da Iluminação durante um intenso período de cinco dias e depois morreu, aos vinte e cinco anos de idade. Yaeko era uma mulher de compleição fraca, afligida pela doença, cuja dedicação espiritual era extraordinariamente poderosa. Ela praticou cinco anos de intensivo zazen, ou meditação sobre a Verdadeira Natureza, apesar de confinada ao leito, recebendo periodicamente em casa a visita do mestre Zen Harada Roshi. Durante esses cinco anos de paciente prática ela cruzou os níveis da Iluminação denominados A Procura do Boi e O Encontro das Pegadas, chegando finalmente ao Primeiro Vislumbre do Boi, a repentina e inebriante vivência de todos os fenômenos como a Mente Original. Durante os cinco dias que se seguiram a esse kensho, ou vislumbre da sua Verdadeira Natureza, Yaeko atravessou todos os níveis restantes da Iluminação, um processo da evolução espiritual que, normalmente, exige uma vida inteira do praticante adiantado. A partir daqui, iremos ler trechos das cartas que Yaeko escreveu ao seu mestre Zen descrevendo a própria experiência extática e o crescimento da sua percepção intuitiva durante esses miraculosos cinco dias. As declarações de Harada Roshi, confirmando o crescimento de Yaeko a partir da perspectiva em que ele se encontra, no estágio denominado Entrada no Mercado com Mãos Bondosas, são comentários que ele rabiscou nas margens das cartas dela.
Yaeko escreve: Ontem de manhã você me disse, "O que você percebeu ainda é nebuloso". Senti então que preciso procurar mais intensamente. Quando acordei de repente ontem à meia-noite, as coisas se tomaram bem mais claras... Tudo que fiz foi erguer as mãos, as palmas juntas, de felicidade , pura alegria . Verdadeiramente vejo que existem graus de profundidade na Iluminação. Harada Roshi comenta: Sim, mas poucos conhecem esse importante fato... O Boi ficou agora cem quilômetros mais perto. A percepção nebulosa da Verdadeira Natureza citada aqui foi o kensho de Yaeko, ou o Primeiro Vislumbre do Boi. Ela agora ingressou na clareza maior da quarta fase, a Captura do Boi. Durante anos após a experiência, muitos praticantes aceitam como algo definitivo um inebriante Vislumbre da Verdadeira Natureza ou o clarão da Iluminação inicial. A efetiva descoberta dos níveis superiores da Iluminação é, como observa o roshi, rara. Yaeko prossegue, a partir dessa nova perspectiva: Tenho vergonha dos meus defeitos e farei todos os esforços para disciplinar meu caráter. Ela é então uma praticante adiantada, mantendo uma percepção constante do Boi, e como tal começa a se abrir à tarefa de disciplinar seu caráter. Ela percebe que a experiência direta de todos os fenômenos como Mente Original é o início da disciplina espiritual, mais do que a liberação repentina da responsabilidade , que o neófito egocêntrico talvez julgue ser a Iluminação. A disciplina implícita no estágio da Captura do Boi não envolve as práticas rigorosas e os conceitos doutrinários empregados por uma pessoa em busca do conhecimento superior ou por um praticante iniciante. Ela é um processo, refinado e expansivo, levado avante sem ambição ou esforço.
A fragmentação ou as imperfeições que até mesmo o praticante espiritual adiantado projeta sobre a Verdadeira Natureza, e que Yaeko chama de seus defeitos, são claramente percebidos nesta dimensão da Iluminação. Do ponto de vista mais abrangente do sábio, contudo, essas percepções são ilusórias. O sábio não vê nada além da expansão da Verdadeira Natureza e por conseguinte compreende que não existem imperfeições. Harada Roshi observa: Você viu claramente o Boi, mas o ponto de agarrá-lo está a milhares de quilômetros de distância. Sua experiência ainda está colorida pelo pensamento conceitual. Esse agarrar a que o roshi se refere é um compreender ou abraçar, relacionado com a quinta dimensão da Iluminação, A Domesticação do Boi. Nesse estágio, toda noção de esforço — ou pensamento conceituai, como o chama o roshi — é substituída pela íntima cordialidade com a Verdadeira Natureza em todas sua manifestações, transcendentais e mundanas.
Apesar de a quilômetros de distância de Casa, Yaeko começa a experimentar uma estreita ligação com todos os outros seres. Ela é capaz de encará-los como expressões da sua própria Verdadeira Natureza, como uma mãe vê seus filhos. Essa ligação com os seres vivos torna-se, para o praticante espiritual, o senso de compaixão e o desejo intenso de que todos os seres despertem para sua intrínseca Iluminação. Yaeko afirma: Agora que o olho da minha Mente se abriu, o voto de salvar cada ser vivo surge espontaneamente em mim. O paradoxo que existe nesse voto de compromisso compassivo com cada ser é que, à medida que a Iluminação se torna cada vez mais profunda, fica mais claro que não existem seres individuais separados da Verdadeira Natureza.
Tanto quanto a compaixão universal , a experiência nesse nível envolve uma imensa segurança pessoal. Ela escreve: Até mesmo você, Harada Roshi, não tem mais importância aos meus olhos. Essa segurança não é arrogância e sim o êxtase, que vê o aluno e o mestre igualmente como a Verdadeira Natureza. Esse êxtase inclui paradoxalmente uma enorme gratidão pelo mestre:... é impossível descrever minha gratidão e minha alegria... estou lhe escrevendo agora apenas por achar que somente você pode compreender minha felicidade, e ficará contente comigo. Baseado na segurança de Yaeko, na sua compaixão e na sua dedicação à prática espiritual, Harada Roshi confirma que ela não apenas vislumbrou como também efetivamente percebeu o Boi: Ela verdadeiramente viu o Boi, pois existe em sua experiência uma profunda segurança em si mesma, o desejo de salvar todos os seres sensíveis, e a determinação de se disciplinar espiritualmente na vida cotidiana. O roshi observa, contudo, que mesmo depois de Yaeko concluir o estágio da Domesticação do Boi, há o longo processo de Condução do Boi para Casa: Somente um estado mental tão sublime quanto esse pode ser chamado de mente dos verdadeiros filhos de Buda . Mas por enquanto ainda existe um sujeito que vê. A casa da sua mente ainda está muito distante.