Contribuição de Antonio Carneiro
Introducción al Estudio de los Padres Latinos, de Nicea a Caledonia, siglos IV y V, Enrique Contreras, OSB y Roberto Peña, OCSO., Editorial Monasterio Trapense de Azul, Azul (Argentina), 1994, 767 p., ISBN: 950-99640-1-8
Tradução de Antonio Carneiro das páginas 552 até 555.
Reconstruir a biografia de Orósio (alguns lhe atribuem também o primeiro nome como sendo Pablo ou Paulo) não é tarefa fácil, pois, salvo um período de dez anos de sua vida — desde o momento em que conhece Agostinho de Hipona (430) — , todo resto de sua vida permanece quase totalmente desconhecido . Duas localidades disputam entre si seu possível lugar de nascimento. Umas palavras de Orósio em suas Histórias (VII,22,8) sugerem para alguns sua procedência tarragonense, hipótese hoje em dia abandonada:
“ ... Ficam todavia pelas distintas províncias, entre as minas das grandes cidades, pequenos e míseros lugares que conservam sinais de suas desgraças e a lembrança de seu nome; entre elas, inclusive em Hispânia recordo agora, para consolo de minha recente desgraça , a nossa Tarragona [1].” [2]
Mais provável parece assinalar como local de nascimento a Braga (Portugal) em Galícia, a julgar sobretudo por umas palavras de Agostinho de Hipona, que em sua Epístola 166 4 a Jerônimo (419) escreve:
“Até mim chegou Orósio, jovem piedoso, irmão da paz católica, filho por idade, co-presbítero por dignidade , desperto de engenho, fácil de palavra, ardente de zelo , deseja ser vaso útil na casa de Deus (2Tm 2,21) rebatendo as falsas e perniciosas doutrinas que assassinara as almas dos hispanos com mais funesto rigor que a espada dos bárbaros destroçou seus corpos. Desde a praia do Oceano veio a mim movido pela fama, esperando ouvir -me expor alguns pontos que deseja conhecer. E já colheu algum fruto da sua viagem .” [3]
As palavras ...“Desde a praia do Oceano” parecem confirmar que Orósio era natural de Braga. Igual expressão, que assinala o litoral do Atlântico como ponto de partida e não o mediterrâneo, aprece na Epístola 169 à Evódio:
“ Não quis perder a conjuntura que me oferecia Orósio, um jovem presbítero muito santo e estudioso, que chegou desde o fim de Espanha, isto é, desde as praias do Oceano, movido somente pelo zelo de conhecer as Santas escrituras .” [4]
A estes testemunhos acrescenta-se outros de Braulio de Zaragosa (631-651) que inclui Orósio entre os homens ilustres de Galícia, e o do presbítero Avito de Braga (após 418) quem, em uma carta ao bispo Palconio de Braga, deixa entrever que Orósio era compatriota seu. Em definitivo, atualmente, aceita-se a Braga (Portugal) como lugar quase certo de procedência de Orósio.
Quanto à data de nascimento somente podemos fazer conjecturas dos dados aportados por Agostinho em sua Epístola 166, cap.I, 2, 4 quando chama a Orósio de “jovem”, “filho seu pela idade” e “ colega no sacerdócio” (“compresbyter”). Isto, tendo em conta as “Decretais” do papa Sirício (384-399) que fixava a idade mínima para a ordenação sacerdotal aos trinta anos, permite supor que se Orósio chegou à Hipona em 414 com alguns anos de ordenação, talvez tenha nascido entre 375 e 380.
De sua qualidade de presbítero não só dá testemunho Agostinho de Hipona e Avito de Braga, mas também Genadio (495/505), quem em sua “De viris illustribus” 39 qualifica Orósio como “prebyster natione hispanus.” [5]
Orósio pertence à uma época muito particular marcada basicamente por dois fatos. No Império romano se assiste a uma reorganização por impulso do imperador espanhol Teodosio (378-395), quem mantinha a fé niceiana como vínculo de união com seus súditos. Por outro lado, a presença e o predomínio dos povos bárbaros se torna mais estável dentro do Ocidente (de fato a região norte -ocidental da Península Ibérica sucumbia em 409 e no ano seguinte a própria Roma). Estes acontecimentos deixaram sua marca em sua obra posterior pois, para Orósio, os povos bárbaros já não seriam aqueles que teria que se afastar e combater, mas sim os com os quais seria necessário aprender a conviver; a Urbe romana amplia seus limites em todo o orbe romano em que os cidadãos são romanos e cristãos (ver Hist. I, 1,14); e o Imperador passa a ser o autor da justiça e da religião, o protegido por Deus e modelo ideal do príncipe romano e cristão.
Dos anos que Orósio passou em Hispânia antes de sua saída para a África não se sabe de quase nada. Somente podemos constatar que possuía grande cultura, tanto pagã quanto cristã, assim como bom conhecimento de retórica. Com muita probabilidade esteve envolvido em sua pátria na luta com os priscilianistas (seita de tendência maniqueísta de longa sobrevivência, sobretudo em Galícia, e que a partir do Concílio de Braga de 563 foi desaparecendo), como atesta o que, em sua chegada a África, dirigiu a Agostinho uma “Pro-memória dos erros dos priscilianistas e origenistas”. [6]
Certamente o encontramos em África em 414. Isto propõe o interrogante sobre os motivos de sua viagem. Tem-se apresentado duas possibilidades: um motivo seria o informar a Agostinho sobre a heresia priscilianista que assolava Hispânia nesses momentos; e outro, o temor dos bárbaros que invadiam a região. Analisados os dados, tudo parece indicar que o desejo de informar a Agostinho sobre o priscilianismo é um motivo “a posteriori” e que a verdadeira causa da fuga foram os vândalos. Vários textos do próprio Orósio deixam vislumbrar que esteve prisioneiro em mãos destes e que, aproveitando uma conjuntura circunstancial ou fortuita, conseguiu escapar:
“ ... Quando falo de mim mesmo, por exemplo, que em um primeiro momento me vi frente a frente com os bárbaros que nunca os havia visto, que m’esquivei quando se dirigiam hostis à mim, que os abrandei quando se apoderaram de mim, que lhes roguei apesar de serem infiéis, que os burlei quando me retinham, e finalmente que escapei deles, coberto com uma repentina névoa, quando me perseguiam pelo mar, quando tratavam de alcançar-me com pedras e dardos, e quando já inclusive me alcançavam com suas mãos.” [7]
Por outro lado, ele mesmo testemunha que abandonar Hispania era para outros relativamente fácil, subornando os próprios invasores com um pouco de dinheiro :
“ ... Todo aquele que quiser fugir e ir-se de Hispânia, podia-se servir-se dos próprios bárbaros como mercenários, ajudantes e defensores. Os próprios bárbaros se ofereciam então voluntariamente para isso; e, apesar de que podiam ter ficado com tudo matando a todos os hispanos, pediam só um pequeno tributo como pagamento por seus serviços e como taxa por cada pessoa que se exportava. E, realmente, muitos puseram isso em prática.” [8]
Havendo fugido dramaticamente de sua terra , para Orósio não deve ter sido fácil apresentar-se a Agostinho de Hipona quem, em sua Epístola 228 [9], haveria de criticar aos bispos e ao clero que abandonaram seus fiéis diante das invasões dos bárbaros; é aqui onde a apresentação do “Commonitorium” 7 sobre os erros priscilianistas e origenistas pode justificar sua presença na África romana. A esta obra Agostinho respondeu com a sua “Ad Orosium contra priscillianistas et origenistas liber unus.” [10]
No ano seguinte de sua chegada a Hipona, em 415, Agostinho o enviou à Belém, com uma carta de recomendação, para consultar a Jerônimo algumas questões acerca do problema da origem da alma , sobre as quais Agostinho se declarava incompetente. Desta missão dão garantias as Epístolas 166 4 e 169 5 do bispo de Hipona.
No verão de 415 Orósio chega à Palestina e se encontra com o enfrentamento doutrinal entre Pelagio que havia encontrado um protetor no bispo João de Jerusalém (386-417) e a corrente ortodoxa dirigida por Jerônimo.
Em fins de julho deste mesmo ano se reuniu em Jerusalém um sínodo com ânimo para esclarecer a controvérsia. O bispo João defendeu Pelagio (427) das acusações de seus contrários, e a defesa da ortodoxia ficou a cargo de Orósio quem, na ausência de Jerônimo, expôs as decisões do Concílio de Catargo de 412 e as teses de Agostinho sobre a Graça, não sem certa dose de imprudência e fogosidade. A consequência desta intervenção foi a acusação pública que se lhe dirigiu em 13 de setembro de 415, quando João de Jerusalém, talvez por não lhe haver entendido bem, acusou-o de afirmar que, inclusive com a graça, o homem não pode viver sem pecado . Como defesa a dita acusação infundada, Orósio compõe seu “Liber Apologeticus contra Pelagianos” , onde não omite chamar Pelagio de “renacuajo [11] e dragão abominável que é preciso manter acorrentado” (“Liber Apolog” . 28, 5). A situação não melhorou e, diante a impossibilidade de qualquer diálogo , foi remetido o assunto ao Papa Inocêncio I (401-417).
Ao ano seguinte, em 416, Orósio abandonou a Palestina e voltou para África levando as relíquias do proto-mártir São Estevão, que depois ajudariam na conversão de numerosos hebreus na ilha de Menorca.
Novamente em Hipona junto a Agostinho, Orósio se dedica a composição de seus sete livros de História contra os pagãos, empresa à que havia lhe induzido o próprio Agostinho, o qual, havendo escrito e publicado já os dez primeiros livros de sua “De civitate Dei ” , pediu a Orósio um compêndio de História Universal desde as origens até 416, com a sugestão de que enfatizasse aos olhos de seus contemporâneos as calamidades dos tempos antigos . Esta orientação se fazia eco da que já perseguia o próprio Agostinho, ao afirmar que a guerra e a miséria não sobrevieram à humanidade por culpa do cristianismo.
- Instituto Camões
- Enciclopedia católica em inglês
- Dictionnaire Biografique
- Paulo Orosio Bibliografia - BIBLIOGRAFIA