33. O Abade Bitímio referiu que o Abade Macário contava o seguinte: «Quando eu residia na Cétia, certa vez lá foram ter dois jovens estrangeiros, dos quais um tinha barba, e o outro um começo de barba. Chegaram-se a mim , perguntando: ‘Onde fica a cela do Abade Macário?’ Perguntei a meu turno: ‘Por que o procurais?’ Responderam: ‘Tendo ouvido falar dele e da Cétia, viemos vê-lo’. Declarou então: ‘Sou eu’ Eles caíram por terra , dizendo: ‘Queremos permanecer aqui’. Eu, vendo que eram delicados e como que afeitos à riqueza , respondi-lhes: ‘Não podeis ficar aqui’. O mais velho, porém, replicou: ‘Se não podemos ficar aqui, vamo-nos para outro lugar’. Disse então comigo mesmo: ‘Por que os hei de expulsar e escandalizar? A labuta os fará fugir por si mesmos’. Falei-lhes, pois: ‘Vinde, e fazei uma cela para vós, se podeis’. Responderam: ‘Mostra-nos um lugar, e nós a faremos’. O ancião deu-lhes um machado, uma sacola cheia de pão, e uma porção de sal; a seguir, mostrou-lhes uma rocha dura, dizendo: ‘Talhai a pedra aqui, ide buscar lenha no pântano e, quando tiverdes concluído o teto, morai aí’. — ‘Eu pensava, disse o ancião, que, à vista do trabalho , haviam de partir’. Eles, porém, ainda me perguntaram qual deveria ser a sua futura ocupação naquela morada . Respondi: ‘Tecer cordames’. E fui buscar palmas no pântano, mostrei-lhes como se começa a tecelagem e como se deve coser, acrescentando: ‘Fazei cestas, e entregai-as aos guardas, os quais vos trarão pães’. A seguir, retirei-me. Eles, então, com hypomone - paciência fizeram tudo que lhes mandei; e não me vieram procurar durante três anos. Neste entretempo fiquei lutando com meus logismos - pensamentos e perguntando-me: ‘Que estarão fazendo, pois não voltaram para interrogar a respeito das suas ideias? Outros de longe vêm ter comigo; estes, porém, que habitam perto, não voltaram nem foram ter com outros; só vão à igreja , em silêncio, a fim de receber a oblação’. Orei então a Deus e jejuei uma semana, a fim de que me mostrasse o que eles faziam. Terminada a semana, levantei-me e fui ter com eles para ver como viviam. Bati à porta ; eles abriram e saudaram-se em silêncio; fiz euche - oração e sentei-me. Então o mais velho fez um sinal de cabeça ao mais novo para que saísse, e sentou-se para tecer corda sem dizer coisa nenhuma. À hora nona, ele fez um ruído; o mais jovem entrou, e, ao sinal do mais velho, preparou um pouco de mingau, pôs a mesa e sobre esta colocou três pães, deixando-se ficar em pé ao lado e taciturno. Eu disse, por conseguinte: ‘Levantai-vos, vamos comer’. Levantamo-nos, e comemos; depois o jovem trouxe a caneca e bebemos. Quando caiu o sol , perguntaram-me: ‘Vais embora?’ Respondi: ‘Não, mas dormirei aqui’. Eles então estenderam uma esteira para mim de um lado, e outra para si do outro lado, no canto ; tiraram os seus cinturões e se deitaram juntos sobre a esteira diante de mim. Ora, quando já estavam deitados, roguei a Deus que me revelasse o que eles faziam. Abriu-se, então, o teto e desceu uma phos - luz como que de dia; eles, porém, não viam a phos - luz. E quando julgavam que eu estava dormindo, o mais velho cotovelou o lado do mais jovem; levantaram-se ambos, cingiram-se, e estenderam as mãos para o céu. Eu os considerava; eles, porém, não me perceberam. E vi os demônios que desciam como moscas sobre o mais moço; uns se pousavam sobre a boca dele, outros sobre os olhos; vi também um aggelos - anjo do Senhor com uma espada de fogo na mão que protegia o jovem ao redor e dele afugentava os demônios. Quanto ao mais velho, porém, dele não se podiam aproximar. Ao despontar do dia, eles se deitaram de novo; eu fiz como se me estivesse despertando, e eles também. Então o mais velho me disse apenas estas palavras: ‘Queres que recitemos os doze salmos ?’ Respondi: ‘Sim’. O mais novo, pois, cantou cinco salmos de seis versos, e um Aleluia; a cada verso, saía uma chama de fogo da boca dele, a qual subia para o céu. De forma semelhante, quando o mais velho abria a boca para salmodiar, desta saiam como que labaredas de fogo, as quais chegavam até o céu. Também eu recitei um pouco, de cor. Por fim, despedi-me, dizendo: ‘Rezai por mim’. Eles, porém, prostraram-se por terra, em silêncio. Assim fiquei sabendo que o mais velho era perfeito e que ao mais jovem o inimigo ainda perseguia. Poucos dias depois, o irmão mais velho faleceu, e, três dias mais tarde, o mais moço».
Para o futuro, quando alguns dos Padres iam ter com o Abade Macário, este os levava à cela dos dois, dizendo-lhes: «Vinde, vede o martírio dos pequenos peregrinos».
34. Certa vez os anciãos da montanha mandaram pedir ao Abade Macário na Cétia: «Para que não se canse o povo todo indo ter contigo, rogamos-te que venhas a nós, de modo que te vejamos antes que emigres para junto do Senhor». Macário foi, pois, à montanha, e todo o povo se reuniu em torno dele. Os anciãos pediram-lhe que dissesse uma palavra aos irmãos; ao que ele respondeu: «Choremos, irmãos, e que os nossos olhos derramem lágrimas antes que nos vamos para aquele lugar em que as nossas lágrimas consumirão de fogo os nossos corpos». Puseram-se, então, todos a chorar , prostrados sobre a face, e disseram: «Pai, reza por nós».
35. De outra feita, um demônio apresentou-se ao Abade Macário com uma espadinha, querendo amputar-lhe o pé; mas não o pôde por causa da tapeinophrosyne - humildade dele, e, em consequência, disse-lhe: «Tudo que vós tendes, também nós o temos; apenas pela tapeinophrosyne - humildade diferis de nós, e prevaleceis sobre nós.
36. Disse o Abade Macário: «Se guardamos a anamnesis - recordação dos males que nos são acarretados pelos homens, extinguimos a eficácia da anamnesis - recordação de Deus. Se, porém, conservamos a lembrança dos males causados pelos demônios, somos invulneráveis».
37. O Abade Pafnúcio, o discípulo do Abade Macário, referiu o seguinte dito deste ancião:
«Quando eu era criança, apascentava bezerros com outros meninos. Certa vez estes foram roubar figos, e, quando corriam, caiu um figo , que eu recolhi e comi. Ao recordar-me disto, sento-me e ponho-me a chorar».